São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2008

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ARTIGO

Eleição frustra plano dos EUA

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os Estados Unidos encaravam o Paraguai como alternativa à decisão do novo governo do Equador de mandar que a base militar de Manta feche suas portas. O Pentágono tinha inclusive o projeto de ampliá-la como posto avançado do Comando Sul, num sai comunismo e entra terrorismo. Mas Rafael Correa elegeu-se prometendo enterrá-la, e o Congresso equatoriano, num gesto não tão direto, aprovou resolução proibindo a instalação em território do Equador de "dependências militares estrangeiras". O deslocamento de componentes de Manta para o Paraguai, com reforço de aparatos de espionagem, tornou-se aparentemente inviável com a eleição de Fernando Lugo.
Uma baixa anunciada? Figuraria entre as de maior repercussão internacional, por envolver um formidável aparato de guerra disposto a reforçar sua incidência num universo visto pelo Pentágono como ninho de terroristas. Como se trata da Tríplice Fronteira com seus comerciantes árabes, o Brasil estaria no meio, ainda por cima com o problema da usina de Itaipu.
Em seu discurso eleitoral, Lugo falou de um Paraguai que já foi grande e que se punha a caminho do "dia da ressurreição". Ex-bispo, colocou expressões religiosas em sua ascensão política. Tem algo a ver com o passado remoto. O Paraguai, em seus primórdios, foi contaminado pela lenda de que havia um Jardim de Éden no coração da América do Sul, lar de um povo seminômade, predominantemente guarani, que contaria com florestas densas, pastos abundantes e rios caudalosos, fontes de todas as curas.
Um Éden ocupado por espanhóis sob o fogo de nativos de Buenos Aires e em busca muito mais de ouro do que de curas milagrosas.
A partir de 1537 e durante largo tempo, Assunção foi quartel-general da Conquista espanhola no sul do continente e ponto estratégico de resistência à expansão portuguesa para o oeste, a partir do Brasil. Já se passaram quase cinco séculos e as histórias dos dois países nunca deixaram de encontrar-se, em guerras, influência hegemônica por parte do Brasil, motivo de rivalidade com a Argentina, dificuldades no Mercosul, brasiguaios, hidrelétrica comum sob pressão etc.
A Argentina se recusou a reconhecer a República do Paraguai, proclamada em 1812. Foi a primeira da América do Sul e começou a viver desgraças quando ainda engatinhava. Em 1865, inicio da guerra com Brasil, Argentina e Uruguai, a Tríplice Aliança, tinha 525 mil habitantes.
Terminou com pouco mais de 28 mil. Na sangrenta Guerra do Chaco em 1932, com a Bolívia, perdeu o petróleo.
Seu "modernizador", José Gaspar Rodríguez de Francia, lançou o que se tornaria um hábito nacional: exerceu o poder absoluto durante 30 anos. A coligação de Lugo, que parte da extrema-esquerda e quase alcança a direita, formou-se com um forte objetivo comum, acabar com 61 anos de poder dos colorados. Não se trata só de governo. Pelo menos 20% dos congressistas tem parentes diretos em cargos públicos. O Estado foi tomado de assalto, e é preciso, talvez antes de tudo, limpá-lo, o que não será fácil. A promiscuidade chegou a tal ponto que não se sabe por onde começar.
O triunfo de Lugo reforça o populismo de esquerda que se instalou na América Latina e que parte de ânsia popular de reformas e desencanto com a política tradicional. Talvez no Paraguai ele tenha de esperar que se faça a limpeza.


O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em questões internacionais


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