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ARTIGO
Eleição frustra plano dos EUA
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os Estados Unidos encaravam o Paraguai como alternativa à decisão do novo governo do
Equador de mandar que a base
militar de Manta feche suas
portas. O Pentágono tinha inclusive o projeto de ampliá-la
como posto avançado do Comando Sul, num sai comunismo e entra terrorismo. Mas Rafael Correa elegeu-se prometendo enterrá-la, e o Congresso
equatoriano, num gesto não tão
direto, aprovou resolução proibindo a instalação em território
do Equador de "dependências
militares estrangeiras". O deslocamento de componentes de
Manta para o Paraguai, com reforço de aparatos de espionagem, tornou-se aparentemente
inviável com a eleição de Fernando Lugo.
Uma baixa anunciada? Figuraria entre as de maior repercussão internacional, por envolver um formidável aparato
de guerra disposto a reforçar
sua incidência num universo
visto pelo Pentágono como ninho de terroristas. Como se
trata da Tríplice Fronteira com
seus comerciantes árabes, o
Brasil estaria no meio, ainda
por cima com o problema da
usina de Itaipu.
Em seu discurso eleitoral,
Lugo falou de um Paraguai que
já foi grande e que se punha a
caminho do "dia da ressurreição". Ex-bispo, colocou expressões religiosas em sua ascensão
política. Tem algo a ver com o
passado remoto. O Paraguai,
em seus primórdios, foi contaminado pela lenda de que havia
um Jardim de Éden no coração
da América do Sul, lar de um
povo seminômade, predominantemente guarani, que contaria com florestas densas, pastos abundantes e rios caudalosos, fontes de todas as curas.
Um Éden ocupado por espanhóis sob o fogo de nativos de
Buenos Aires e em busca muito
mais de ouro do que de curas
milagrosas.
A partir de 1537 e durante
largo tempo, Assunção foi
quartel-general da Conquista
espanhola no sul do continente
e ponto estratégico de resistência à expansão portuguesa para
o oeste, a partir do Brasil. Já se
passaram quase cinco séculos e
as histórias dos dois países
nunca deixaram de encontrar-se, em guerras, influência hegemônica por parte do Brasil, motivo de rivalidade com a Argentina, dificuldades no Mercosul,
brasiguaios, hidrelétrica comum sob pressão etc.
A Argentina se recusou a reconhecer a República do Paraguai, proclamada em 1812. Foi a
primeira da América do Sul e
começou a viver desgraças
quando ainda engatinhava. Em
1865, inicio da guerra com Brasil, Argentina e Uruguai, a Tríplice Aliança, tinha 525 mil habitantes.
Terminou com pouco
mais de 28 mil. Na sangrenta
Guerra do Chaco em 1932, com
a Bolívia, perdeu o petróleo.
Seu "modernizador", José Gaspar Rodríguez de Francia, lançou o que se tornaria um hábito
nacional: exerceu o poder absoluto durante 30 anos.
A coligação de Lugo, que parte da extrema-esquerda e quase
alcança a direita, formou-se
com um forte objetivo comum,
acabar com 61 anos de poder
dos colorados. Não se trata só
de governo. Pelo menos 20%
dos congressistas tem parentes
diretos em cargos públicos. O
Estado foi tomado de assalto, e
é preciso, talvez antes de tudo,
limpá-lo, o que não será fácil. A
promiscuidade chegou a tal
ponto que não se sabe por onde
começar.
O triunfo de Lugo reforça o
populismo de esquerda que se
instalou na América Latina e
que parte de ânsia popular de
reformas e desencanto com a
política tradicional. Talvez no
Paraguai ele tenha de esperar
que se faça a limpeza.
O jornalista NEWTON CARLOS é especialista
em questões internacionais
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