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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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Para crítico, valorização do "colorido" gera fraudes

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

Cada vez mais, as estrelas do jornalismo não são os repórteres encarregados do chamado "hard news" e sim os autores de textos especiais, repletos de cenas e declarações não presenciadas por outros repórteres e portanto de difícil verificação.
Para Michael Wolff, 49, respeitado crítico de mídia dos EUA, titular de uma coluna na revista "New York", a excessiva valorização de "descrições coloridas e detalhes no limite da ficção" ajuda a explicar o caso Jayson Blair, jornalista do "New York Times" demitido por cometer fraude e plágio em dezenas de reportagens.
"Obviamente [os superiores do repórter] achavam que ele tinha agressividade e estilo", diz. "E uma linha tênue separa "agressividade e estilo" da invenção pura e simples."
Wolff, que iniciou carreira como redator do "Times", foi vencedor do National Magazine Award de 2002 na categoria comentário. Leia a seguir os principais trechos da conversa por e-mail que ele teve com a Folha.
 

Folha - Em 1981, quando se descobriu que uma jornalista do "Washington Post" ganhara o Pulitzer com uma história 100% fictícia, o então editor-executivo disse que, se um repórter estiver decidido a enganar seus superiores, eles serão enganados. A fraude é inevitável no jornalismo?
Michael Wolff -
Até certo ponto, sim. Mas é claro que há jornais e editores mais propensos do que outros a serem enganados.

Folha - De que a cúpula da Redação do "New York Times" é culpada no caso Jayson Blair?
Wolff -
Do ponto de vista administrativo, talvez não seja culpada de nada. Toda grande empresa tem, já teve ou terá um dia funcionários envolvidos em algum tipo de fraude, maior ou menor.
O problema são as indicações de que existiam evidências para ter interrompido antes a trajetória do repórter. Parece claro que o editor-executivo e o secretário apreciavam o perfil de Blair. Obviamente achavam que ele tinha agressividade e estilo. E uma linha tênue separa "agressividade e estilo" da invenção pura e simples.

Folha - Em seu artigo sobre o caso o sr. sugere que o jornal exagerou ao dedicar quatro páginas às conclusões da comissão de sindicância, tratando "um escândalo no "Times" como o maior de todos os escândalos". Por que tamanho destaque?
Wolff -
Para a maioria das pessoas no "New York Times", a realidade mais importante é a realidade interna do jornal. É algo que está acima das instituições e certamente acima das demais profissões. Assim, qualquer notícia relativa ao "Times" é considerada maior do que as demais. Imagine uma notícia que coloca em xeque a integridade mítica do "Times".

Folha - Na revista "New Yorker", o jornalista Hendrik Hertzberg questiona a idéia, defendida pelo jornal, de que este seria um dos piores momentos em seus 152 anos de história. Para ele, as "mentiras banais" de Blair seriam menos lesivas do que a obsessão do jornal com o comportamento de Bill Clinton ou as falsas acusações ao cientista Wen Ho Lee. O sr. concorda?
Wolff -
Sim, concordo.

Folha - O sr. já escreveu que as Redações valorizam cada vez mais "descrições coloridas e detalhes no limite da ficção" em detrimento de apuração sólida e texto preciso. Em que medida essa cultura jornalística contribui para o surgimento de casos como o de Jayson Blair?
Wolff -
O relato dos elementos principais da notícia se tornou produto disponível em qualquer lugar e a preço cada vez mais baixo. Para que seu trabalho se distinga, o jornalista tem de acrescentar algum valor a esse produto, daí a importância dada a "agressividade e estilo".

Folha - Além do mea-culpa impresso, a cúpula do "Times" promoveu um encontro com a Redação que, embora "fechado à imprensa", foi reportado por todos e transformado em outra contrição pública. Por que tanta imolação?
Wolff -
Acho que é uma exigência do jornalismo 24 horas.

Folha - O "Times" poderia ter agido de outra maneira?
Wolff -
Sem dúvida. Poderia ter simplesmente demitido o sujeito.


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