Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para crítico, valorização do "colorido" gera fraudes
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
Cada vez mais, as estrelas do jornalismo não são os repórteres encarregados do chamado "hard news" e sim os autores de textos
especiais, repletos de cenas e declarações não presenciadas por
outros repórteres e portanto de
difícil verificação.
Para Michael Wolff, 49, respeitado crítico de mídia dos EUA, titular de uma coluna na revista
"New York", a excessiva valorização de "descrições coloridas e detalhes no limite da ficção" ajuda a
explicar o caso Jayson Blair, jornalista do "New York Times" demitido por cometer fraude e plágio em dezenas de reportagens.
"Obviamente [os superiores do
repórter] achavam que ele tinha
agressividade e estilo", diz. "E
uma linha tênue separa "agressividade e estilo" da invenção pura e
simples."
Wolff, que iniciou carreira como redator do "Times", foi vencedor do National Magazine Award
de 2002 na categoria comentário.
Leia a seguir os principais trechos
da conversa por e-mail que ele teve com a Folha.
Folha - Em 1981, quando se descobriu que uma jornalista do "Washington Post" ganhara o Pulitzer
com uma história 100% fictícia, o
então editor-executivo disse que,
se um repórter estiver decidido a
enganar seus superiores, eles serão enganados. A fraude é inevitável no jornalismo?
Michael Wolff - Até certo ponto,
sim. Mas é claro que há jornais e
editores mais propensos do que
outros a serem enganados.
Folha - De que a cúpula da Redação do "New York Times" é culpada
no caso Jayson Blair?
Wolff - Do ponto de vista administrativo, talvez não seja culpada
de nada. Toda grande empresa
tem, já teve ou terá um dia funcionários envolvidos em algum tipo
de fraude, maior ou menor.
O problema são as indicações
de que existiam evidências para
ter interrompido antes a trajetória
do repórter. Parece claro que o
editor-executivo e o secretário
apreciavam o perfil de Blair. Obviamente achavam que ele tinha
agressividade e estilo. E uma linha
tênue separa "agressividade e estilo" da invenção pura e simples.
Folha - Em seu artigo sobre o caso
o sr. sugere que o jornal exagerou
ao dedicar quatro páginas às conclusões da comissão de sindicância,
tratando "um escândalo no "Times"
como o maior de todos os escândalos". Por que tamanho destaque?
Wolff - Para a maioria das pessoas no "New York Times", a realidade mais importante é a realidade interna do jornal. É algo que
está acima das instituições e certamente acima das demais profissões. Assim, qualquer notícia relativa ao "Times" é considerada
maior do que as demais. Imagine
uma notícia que coloca em xeque
a integridade mítica do "Times".
Folha - Na revista "New Yorker",
o jornalista Hendrik Hertzberg
questiona a idéia, defendida pelo
jornal, de que este seria um dos
piores momentos em seus 152 anos
de história. Para ele, as "mentiras
banais" de Blair seriam menos lesivas do que a obsessão do jornal
com o comportamento de Bill Clinton ou as falsas acusações ao cientista Wen Ho Lee. O sr. concorda?
Wolff - Sim, concordo.
Folha - O sr. já escreveu que as Redações valorizam cada vez mais
"descrições coloridas e detalhes no
limite da ficção" em detrimento de
apuração sólida e texto preciso. Em
que medida essa cultura jornalística contribui para o surgimento de
casos como o de Jayson Blair?
Wolff - O relato dos elementos
principais da notícia se tornou
produto disponível em qualquer
lugar e a preço cada vez mais baixo. Para que seu trabalho se distinga, o jornalista tem de acrescentar algum valor a esse produto, daí a importância dada a "agressividade e estilo".
Folha - Além do mea-culpa impresso, a cúpula do "Times" promoveu um encontro com a Redação que, embora "fechado à imprensa", foi reportado por todos e transformado em outra contrição
pública. Por que tanta imolação?
Wolff - Acho que é uma exigência
do jornalismo 24 horas.
Folha - O "Times" poderia ter agido de outra maneira?
Wolff - Sem dúvida. Poderia ter
simplesmente demitido o sujeito.
Texto Anterior: Jayson Blair Próximo Texto: Transição: "Argentina pode viver sem FMI", diz Kirchner Índice
|