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DILEMA PERSA
De olho nas mudanças, presidente faz concessões, mas Parlamento resiste
O Estado islâmico usa a lei para determinar o que as mulheres podem usar -as mais ousadas, no entanto, acham meios de contorná-la
Iranianas fazem das roupas arma de liberação
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
Shadi Jahani, 27 anos, não
pode mostrar em público nada
além das mãos e do rosto. Não
pode sair com a cabeça descoberta. Não pode andar de mãos
dadas com o namorado, a quem
ela espera na manhã de hoje na
bilheteria para assistir a "Um
Pedaço de Pão", atual sucesso
do cinema iraniano. Não pode
cantar. Não pode usar absorvente interno, a não ser que
compre no mercado negro. Não
pode ter seu testemunho levado em conta por um tribunal, se
for contra um homem -para
tanto, precisará de outra mulher, pois ambas terão metade
do peso jurídico do homem.
É longa a lista do que Shadi e
35 milhões de mulheres como
ela não podem fazer no Irã, cujas leis e normas de conduta são
ditadas por uma interpretação
fundamentalista do islamismo.
Mas a mais visível é a que regula as roupas.
Por ser a mais
visível, o "hijab" é
também uma das
mais representativos das mudanças
pelas quais a sociedade local passa, especialmente
a classe média do
norte de Teerã,
mesmo com a guinada conservadora que o país deu
após a eleição de
Mahmoud Ahmadinejad, em 2005.
Todas as mulheres andam cobertas, mas é no pouco que dá para variar que elas protestam, lutam e
inovam: a cobertura.
"Você vê o que
uma mulher usa
na cabeça e sobre
as roupas e sabe qual a sua idade, posição política, classe social e grau de apoio ao governo", resume Zohreh M., 42, ao
lado de duas das três filhas, todas de xador, o lençol escuro seguro por uma das mãos ou uma
fita adesiva estrategicamente
colocada, que cobre da cabeça
aos pés das mulheres e é a versão mais radical das coberturas.
Quem não usa o xador veste o
"rousari", que por lei deve cobrir a cabeça e deixar apenas o
rosto à mostra, e o mantô, que
também por lei deve ir abaixo
do cotovelo e sobre mangas
compridas e abaixo do joelho e
sobre calças compridas.
Aí começam as variações. As
mais modernas usam a versão
possível da minissaia, que é o
"rousari" solto no pescoço e cobrindo apenas meia cabeça,
com o mantô mal chegando ao
joelho e ao cotovelo. As mulheres mais ousadas escapam da
variação de preto tradicional:
há os mantôs verdes e até os rosa-choque.
As adolescentes usam o
"maghnae", um "rousari" em
forma de capuz, com óculos escuros Gucci ou Giorgio Armani.
As mais endinheiradas usam as
versões mais caras da grife TT,
a mais consumida, ou as da loja
Miniator, que podem custar
US$ 80 o exemplar. Já as "vítimas da moda" descobriram os
modelos estampados com rosas, trajes típicos do Turcomenistão. "Até o ano passado, só
gente do campo usava estampa
no "rousari'", diz Maria Moghdan, 24. "O chique eram os pretos." Houve até um ano de onda
retrô, em que os modelos usados pelas ultra-religiosas, que
cobre a testa e o queixo, ganhou
a simpatia das estudantes universitárias.
Hoje, começam a tomar as
ruas do norte de Teerã os padrões de estampa da Burberry's, de Londres, que passam dos US$ 200.
Futebol
O sobe-e-desce dos mantôs e
o carnaval de cores dos "rousari" não passou desapercebido
pelo presidente, conservador
mas preocupado em
agradar uma fatia da
população, a classe
média, que não o
apóia. Também acendeu a luz amarela do
Parlamento, de maioria conservadora,
com efeito inverso.
Em meio a uma série de medidas que
reforçam o recuo do
governo aos valores
da Revolução, Ahmadinejad surpreendeu
os iranianos ao derrubar, no dia 24 último, proibição de 1979
que impedia as mulheres de assistir a
homens praticando
esportes em grandes
estádios.
As manifestações
de torcedoras nas
portas do Estádio
Azari, em Teerã, estavam se tornando cada
vez maiores e violentas; a última levou às bilheterias 250
mulheres, que brigaram com a
polícia. É certo que o presidente é fanático pelo esporte, mas
na ocasião ele apoiou publicamente também a participação
maior das mulheres em cargos
do governo e disse que sua presença nos estádios "reforça a
castidade e a família".
Na mesma direção estão as
prefeituras de Karaj, na periferia da capital, que anunciou a
criação do primeiro grupo de
mulheres do Corpo de Bombeiros do Irã, e de Teerã, que aprovou o primeiro serviço de lotação com motoristas mulheres.
Nada disso muda a opinião
de Zohreh M., que usa xador.
Para ela, "os valores da cultura
iraniana estão sendo derrubados pela TV por satélite", que é
proibida por lei -mas que enfeita a maioria dos telhados de
Teerã.
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