São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2006

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DILEMA PERSA

De olho nas mudanças, presidente faz concessões, mas Parlamento resiste

O Estado islâmico usa a lei para determinar o que as mulheres podem usar -as mais ousadas, no entanto, acham meios de contorná-la


Iranianas fazem das roupas arma de liberação

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

Shadi Jahani, 27 anos, não pode mostrar em público nada além das mãos e do rosto. Não pode sair com a cabeça descoberta. Não pode andar de mãos dadas com o namorado, a quem ela espera na manhã de hoje na bilheteria para assistir a "Um Pedaço de Pão", atual sucesso do cinema iraniano. Não pode cantar. Não pode usar absorvente interno, a não ser que compre no mercado negro. Não pode ter seu testemunho levado em conta por um tribunal, se for contra um homem -para tanto, precisará de outra mulher, pois ambas terão metade do peso jurídico do homem.
É longa a lista do que Shadi e 35 milhões de mulheres como ela não podem fazer no Irã, cujas leis e normas de conduta são ditadas por uma interpretação fundamentalista do islamismo. Mas a mais visível é a que regula as roupas.
Por ser a mais visível, o "hijab" é também uma das mais representativos das mudanças pelas quais a sociedade local passa, especialmente a classe média do norte de Teerã, mesmo com a guinada conservadora que o país deu após a eleição de Mahmoud Ahmadinejad, em 2005. Todas as mulheres andam cobertas, mas é no pouco que dá para variar que elas protestam, lutam e inovam: a cobertura.
"Você vê o que uma mulher usa na cabeça e sobre as roupas e sabe qual a sua idade, posição política, classe social e grau de apoio ao governo", resume Zohreh M., 42, ao lado de duas das três filhas, todas de xador, o lençol escuro seguro por uma das mãos ou uma fita adesiva estrategicamente colocada, que cobre da cabeça aos pés das mulheres e é a versão mais radical das coberturas.
Quem não usa o xador veste o "rousari", que por lei deve cobrir a cabeça e deixar apenas o rosto à mostra, e o mantô, que também por lei deve ir abaixo do cotovelo e sobre mangas compridas e abaixo do joelho e sobre calças compridas.
Aí começam as variações. As mais modernas usam a versão possível da minissaia, que é o "rousari" solto no pescoço e cobrindo apenas meia cabeça, com o mantô mal chegando ao joelho e ao cotovelo. As mulheres mais ousadas escapam da variação de preto tradicional: há os mantôs verdes e até os rosa-choque.
As adolescentes usam o "maghnae", um "rousari" em forma de capuz, com óculos escuros Gucci ou Giorgio Armani. As mais endinheiradas usam as versões mais caras da grife TT, a mais consumida, ou as da loja Miniator, que podem custar US$ 80 o exemplar. Já as "vítimas da moda" descobriram os modelos estampados com rosas, trajes típicos do Turcomenistão. "Até o ano passado, só gente do campo usava estampa no "rousari'", diz Maria Moghdan, 24. "O chique eram os pretos." Houve até um ano de onda retrô, em que os modelos usados pelas ultra-religiosas, que cobre a testa e o queixo, ganhou a simpatia das estudantes universitárias.
Hoje, começam a tomar as ruas do norte de Teerã os padrões de estampa da Burberry's, de Londres, que passam dos US$ 200.

Futebol
O sobe-e-desce dos mantôs e o carnaval de cores dos "rousari" não passou desapercebido pelo presidente, conservador mas preocupado em agradar uma fatia da população, a classe média, que não o apóia. Também acendeu a luz amarela do Parlamento, de maioria conservadora, com efeito inverso.
Em meio a uma série de medidas que reforçam o recuo do governo aos valores da Revolução, Ahmadinejad surpreendeu os iranianos ao derrubar, no dia 24 último, proibição de 1979 que impedia as mulheres de assistir a homens praticando esportes em grandes estádios.
As manifestações de torcedoras nas portas do Estádio Azari, em Teerã, estavam se tornando cada vez maiores e violentas; a última levou às bilheterias 250 mulheres, que brigaram com a polícia. É certo que o presidente é fanático pelo esporte, mas na ocasião ele apoiou publicamente também a participação maior das mulheres em cargos do governo e disse que sua presença nos estádios "reforça a castidade e a família".
Na mesma direção estão as prefeituras de Karaj, na periferia da capital, que anunciou a criação do primeiro grupo de mulheres do Corpo de Bombeiros do Irã, e de Teerã, que aprovou o primeiro serviço de lotação com motoristas mulheres.
Nada disso muda a opinião de Zohreh M., que usa xador. Para ela, "os valores da cultura iraniana estão sendo derrubados pela TV por satélite", que é proibida por lei -mas que enfeita a maioria dos telhados de Teerã.


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