São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2005

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COMENTÁRIO

Quem será o próximo?

ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT", EM BEIRUTE

Era Georges Hawi. Ex-secretário-geral do Partido Comunista, mediador entre cristãos e muçulmanos, amigo dos palestinos durante a Guerra Civil e, é claro, crítico ferrenho da Síria.
"Ajude-me, ajude-me", ele gritava, ao ser arrastado por seu motorista e um vizinho dos escombros de seu carro destruído por uma bomba. Coberto de sangue, morreu nos braços deles.
Um alvo "fácil", um homem que acreditava não precisar de proteção. Mais ou menos como seu amigo jornalista e também crítico da Síria, Samir Kassir, assassinado em seu carro por explosivos instalados da mesma maneira, no começo do mês.
O sapato direito de Hawi jazia entre os escombros espalhados pela rua, no bairro de Wata Mouseibeth, Beirute. O Mercedes estava passando por um posto de gasolina quando alguém detonou a bomba colocada debaixo do assento do passageiro, fazendo com que o carro derrapasse, fora de controle, por cerca de dez metros.
As pessoas estavam revoltadas, e a palavra "Síria" não saía de seus lábios quando me encontrei com Ghazi Aridi, amigo de Walid Jumblatt, druso como ele, e ex-ministro da Informação, na cena do crime. O choque de Aridi era palpável. "Venha comigo", murmurou, e caminhamos para longe do carro destruído. Esse, ele disse, com raiva, "é mais um passo no mesmo projeto de assassinar todos os líderes da oposição, do futuro do Líbano. A grande questão é a seguinte: será que todos os líderes oposicionistas são alvos, agora?"
E, evidentemente, passadas algumas horas, a Síria insistia em que não tinha nada a ver com o mais recente assassinato, e o presidente Emile Lahoud, o melhor amigo da Síria, estava denunciando o assassinato dessa figura "nacional", como "um novo capítulo da conspiração contra o Líbano".
Pois enquanto os assassinos faziam seu trabalho, ontem, a equipe internacional de investigação da ONU começava a interrogar o brigadeiro-general Mustafá Hamdan, comandante da brigada de Guarda Presidencial de Lahoud, sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, em 14 de fevereiro. E não se tratava de um simples bate-papo.
Os investigadores, que incluem policiais norte-americanos e estão sob o comando de um promotor veterano da Alemanha, Detlev Mehlis. Foi um severo choque para o presidente, já que Hamdan é um de seus principais assessores de segurança, e já foi acusado por políticos oposicionistas de envolvimento no acobertamento do assassinato de Hariri pelo governo.
O assassinato de ontem não só tomou por alvo um nacionalista libanês popular e admirado, famoso em Beirute, por ter sido um dos primeiros a conclamar o povo a resistir ao Exército de ocupação israelense, depois da invasão do Líbano, em 1982. Foi também um abalo para a estabilidade política, econômica e social do país. O Líbano é um Estado sob o domínio do assassinato, no qual os matadores não se deixam intimidar pela poderosa equipe de investigação da ONU, e onde os assassinos trabalham com impunidade e aparentemente estão protegidos por autoridades de segurança.
Hawi era um cristão ortodoxo. Era esquerdista e filósofo, embora estivesse longe de ser um comunista fanático. Seu filho adotivo disputou eleições no centro do Líbano pouco mais de uma semana atrás e foi derrotado, assim como Nasib Lahoud e outros importantes candidatos oposicionistas. Mas o assassinato de Hawi aconteceu apenas um dia depois que Saad Hariri, filho do ex-primeiro-ministro assassinado, anunciou que sua coalizão de oposição e inimiga da Síria conquistara a maioria no Parlamento libanês. Assim, a primavera do Líbano foi seguida, como de hábito, por um túmulo no Líbano.
Figura importante do lado palestino e libanês durante a guerra civil entre 1975 e 1990, Hawi era muito amigo do líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Iasser Arafat, e seus seguidores combateram ao lado dos esquerdistas durante o conflito. Como muitos dos antagonistas, porém, no final de sua vida ele estava tentando reconciliar as feridas causadas pela Guerra Civil aos muçulmanos e cristãos libaneses. Saad Hariri disse ontem que o assassinato de Hawi tinha por objetivo perturbar os efeitos da eleição. Walid Jumblatt disse que os serviços de informação libaneses precisam ser "completamente expurgados", antes que a segurança possa ser garantida. Só nos resta a velha questão: quem será o próximo?


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