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GUERRA SUJA
Papéis liberados pelos EUA revelam acordo secreto para "caçar e eliminar" opositores dos dois regimes militares
Ação anti-subversão uniu Brasil e Argentina
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO
Com o conhecimento dos EUA,
os regimes militares no Brasil e na
Argentina fizeram na década de
70 um acordo secreto para "caçar
e eliminar" conjuntamente militantes de esquerda nos territórios
dos dois países.
Essa é uma das revelações de
documentos liberados pelo Departamento de Estado norte-americano sobre a "guerra suja"
do regime militar argentino contra oposicionistas, na qual cerca
de 15 mil pessoas morreram.
Os papéis trazem ainda detalhes
da execução desse acordo, como
uma sofisticada operação dos
dois governos para prender Horacio Domingos Campiglia e Mónica Susana Pinus de Binstock,
dois argentinos descendentes de
italianos que desapareceram no
Rio em março de 1980.
A liberação dos documentos decorreu de um pedido feito em
2000 por parentes das vítimas da
ditadura militar na Argentina à
então secretária de Estado dos
EUA, Madeleine Albright. O pedido foi referendado pelo governo
argentino.
São 4.677 telegramas e cartas
(podem ser vistos no site http://
foia.state.gov) que cobrem o período de 1976 a 1983 e jogam luz
sobre a prisão, tortura e assassinato, na Argentina, de militantes de
várias nacionalidades e grupos.
Há referências à prisão de pelo
menos três brasileiros em Buenos
Aires: Maria Regina Marcondes
Pinto, que teria sido extraditada
pela Argentina ao Chile em razão
de militância política de oposição
em Santiago; Paulo Antonio de
Paranaguá, filho do então embaixador brasileiro no Kuwait, e sua
mulher, Maria Regina Jacob Pilla.
Embora com menos ênfase, os
papéis mostram ainda novos ângulos do apoio dos EUA à repressão e o impacto negativo do terrorismo de esquerda nos negócios
norte-americanos na região.
Diferentemente do material sobre as ditaduras no Chile, na Guatemala e em El Salvador, parcialmente liberados na década de 90,
os papéis sobre a Argentina pertencem apenas ao Departamento
de Estado. Não há uma única informação da CIA (agência central
de inteligência), da Casa Branca e
do Pentágono.
Kissinger
O documento mais marcante
sobre a cooperação entre o Brasil
e a Argentina é um telegrama enviado em 20 de agosto de 1976 pelo então secretário de Estado,
Henry Kissinger, aos embaixadores norte-americanos em Santiago, Brasília, Buenos Aires, Montevidéu e Assunção.
Esse mesmo telegrama havia sido divulgado em 1999, mas o parágrafo mais revelador do documento de cinco páginas havia sido censurado, sob alegações de
"segurança nacional".
Kissinger informa nesse parágrafo: "Uma confiável fonte brasileira descreveu um acordo Brasil-Argentina segundo o qual os dois
países caçam e eliminam terroristas que tentam fugir da Argentina
para o Brasil. Unidades militares
brasileiras e argentinas já teriam
operado conjuntamente e dentro
das fronteiras do outro [país] quando necessário".
A revelação poderia ser comprometedora para Kissinger, pois
reforça a tese de que Washington
tinha conhecimento das atividades criminosas cometidas por regimes aliados dos EUA.
O juiz espanhol Baltasar Garzón
-responsável por processo em
seu país sobre as violações aos direitos humanos os regimes militares latino-americanos dos anos
70- vem tentando, até agora sem
sucesso, interrogar Kissinger sobre o seu envolvimento com a
Operação Condor -programa
de cooperação entre os governos
de exceção da região para combater opositores.
Sequestro no Rio de Janeiro
Uma das evidências da existência do acordo para "caçar" subversivos citado por Kissinger pode ser vista num dos documentos
secretos liberados, datado de 7 de
abril de 1980. Nele, diplomata
americano revela detalhes de um
episódio em que o governo do
Brasil permitiu que uma unidade
militar de elite argentina sequestrasse dois rebeldes Montoneros
(guerrilha peronista) no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.
Uma fonte do serviço de inteligência da Argentina conta que
um dissidente capturado foi forçado a delatar seus companheiros
Campiglia e Mónica Pinus de
Binstock, integrantes do alto escalão do grupo rebelde argentino,
que viviam no México.
O prisioneiro disse que os dois
chegariam ao Brasil, em março de
1980, com passaportes falsos. "A
inteligência militar argentina contatou seus parceiros da inteligência militar brasileira pedindo permissão para conduzir uma operação no Rio para capturar os dois montoneros que chegariam do
México", afirma o documento.
"Os brasileiros deram permissão e um esquadrão especial de
argentinos voou para o Rio, sob o
comando operacional do tenente-coronel Roman, a bordo de um
C130 da Força Aérea. Ambos os
montoneros foram capturados
com vida e levados à Argentina."
Para limpar os rastros que seriam deixados pela operação, os
militares envolvidos utilizaram
um casal de agentes argentinos.
Eles se registraram num hotel do
Rio com os mesmos documentos
falsos que seriam usados por
Binstok e Campiglia, dando a impressão ao grupo rebelde de que a
dupla estava fora de perigo.
Os dois montoneros não foram
mais encontrados. Em 2000, o juiz
argentino Cláudio Bonadio, que
investiga o seu desaparecimento,
pediu ao STF (Supremo Tribunal
Federal) informações do Brasil
sobre a participação do regime
militar no episódio. As autoridades brasileiras disseram não ter
encontrado registro da ação ou provas em seus arquivos.
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