|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Radicais não controlarão arsenal atômico, diz analista
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar de o novo governo do
Paquistão ser fraco e dividido,
há poucas chances de o arsenal
nuclear do país cair nas mãos
de islâmicos radicais, segundo
Aziz Huq, analista britânico de
origem paquistanesa, do centro
de estudos Brennan Center para a Justiça, da Universidade de
Nova York. Em entrevista à Folha, por telefone, Huq explicou
por que, segundo ele, os EUA
"sentirão saudade" de Pervez
Musharraf e previu que os militares continuarão pesando no
cenário político paquistanês.
FOLHA - Como avalia o risco, apontado pelo Ocidente, de o arsenal nuclear paquistanês cair nas mãos de
islâmicos radicais?
HUQ - Hoje não há o que temer
em relação às pessoas que controlam o programa nuclear paquistanês. O país é uma nação
islâmica, mas o problema não é
saber qual a religião de quem
está por trás do arsenal atômico. A dúvida é se essas pessoas
são seres racionais que respeitam o Estado de direito ou não.
Há temores de que o Paquistão se torne uma teocracia islâmica, a exemplo do que aconteceu com o Irã em 1979. O risco
me parece exagerado. O Taleban instalado em território paquistanês está muito mais interessado no Afeganistão do que
no Paquistão e quer mesmo é
recuperar o controle de Cabul.
Dentro do Paquistão, há grupos religiosos, mas eles nunca
tiveram sucesso em suas tentativas de tomar o poder, seja pela
via eleitoral ou pela violência.
FOLHA - Há controvérsia sobre o
empenho real de Musharraf no
combate ao Taleban...
HUQ - A exemplo de seus antecessores, Musharraf deparou-se com serviços secretos ainda
repletos de elementos pró-Taleban -uns ligados aos milicianos da época dos mujahedin
[que nos anos 80 combateram a
ocupação soviética do Afeganistão] e outros mais envolvidos com o antigo regime do Taleban em Cabul.
A inteligência paquistanesa
teve fortes vínculos com os
guerrilheiros islâmicos, fornecendo apoio estratégico e logístico. Mesmo após o colapso do
Taleban [em 2001], muitos
agentes mantiveram o compromisso com os milicianos, até
por razões ideológicas.
O cenário dos últimos anos é
o seguinte: de um lado, elementos determinados a seguir ajudando o Taleban e, do outro,
Musharraf, comprometido a
ajudar seus aliados americanos
na luta contra o terrorismo.
Musharraf preferiu não se
meter nesse imbróglio, provavelmente para evitar tensões.
Mas pelo menos ele tinha certo
respeito no meio militar, o que
não é o caso de Nawaz Sharif e
Asif Ali Zadari [líderes dos dois
partidos da atual coalizão de
governo], incapazes de usar as
Forças Armadas a seu favor.
FOLHA - Os militares perdem poder
com a saída de Musharraf?
HUQ - Acho que não. O comando militar tem sido cauteloso
sobre o papel que pretende ter
no governo e é possível que retire suas fichas do jogo político.
Dito isso, é pouco provável
que o governo consiga de fato
impor limites aos militares, que
certamente continuarão fazendo sombra sobre a cena política
por um bom tempo.
FOLHA - O que muda na relação
com a Casa Branca?
HUQ - Washington não tem
opção a não ser trabalhar estreitamente com Islamabad na
luta contra o terrorismo. A Casa Branca não pode virar as costas ao Paquistão. Dito isso, os
EUA sentirão saudade de Musharraf. É mais fácil lidar com
um aliado fiel como ele do que
com uma coalizão bagunçada.
FOLHA - O governo é tão fraco assim?
HUQ - O governo é frágil e dividido sobre questões essenciais,
como a reintegração dos juízes
[afastados por Musharraf]. As
divergências entre Sharif e Zardari devem continuar.
FOLHA - Há quem diga que a era
Musharraf teve aspectos positivos,
ao menos na área econômica.
HUQ - Há controvérsia sobre o
que está por trás do êxito econômico dos primeiros anos de
governo -a própria gestão de
Musharraf ou um contexto global favorável?
Shaukat Aziz, que foi premiê
durante a maior parte do governo Musharraf, veio das altas esferas do Citibank e era um tecnocrata competente e honesto.
Houve um afluxo maciço de capital estrangeiro e um crescimento substancial da economia. Mas as coisas desandaram
-inflação alta, uma base industrial instável e a total perda de
rumo do programa econômico.
Houve avanços, mas eles não
foram sustentáveis.
Texto Anterior: Taleban mata 60 e acirra crise no Paquistão Próximo Texto: Frase Índice
|