São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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AMÉRICA LATINA

Descontentamento popular cria projetos heterodoxos, como programa de TV para escolher candidato a deputado

Crise argentina gera esquisitices políticas

JOÃO SANDRINI
DE BUENOS AIRES

A falta de respostas da classe política ao descontentamento popular transformou a Argentina em um terreno fértil para o surgimento de soluções curiosas e, ao mesmo tempo, estranhas para reformar as instituições antes da eleição presidencial de março.
A onda de projetos heterodoxos surgiu em meio ao caos institucional. De um lado está o Estado, que há meses negocia sem sucesso acordos com FMI (Fundo Monetário Internacional), Congresso, pré-candidatos, banqueiros, empresários e Justiça para a implementação de ajustes necessários ao país. Do outro, está uma população descontente com a paralisia do Estado frente ao crescimento contínuo do desemprego, da pobreza e da violência.
Até o momento, a iniciativa mais peculiar foi criada pela TV América, a terceira maior emissora do país. A rede estréia hoje o programa "O Candidato do Povo", que dará como prêmio ao vencedor o direito de se candidatar a deputado nas próximas eleições por um partido fundado pela própria emissora. O vencedor será escolhido pelos telespectadores entre os 16 pré-selecionados -em um universo de mais de 600 inscritos- para apresentar suas propostas políticas na TV.
Outra esquisitice partiu do ex-chefe de gabinete e senador governista Jorge Capitanich, que propôs submeter todos os candidatos a cargos públicos a testes psiquiátricos antes das eleições. O projeto, em análise numa comissão do Senado, foi criticado porque não excluiria um candidato considerado mentalmente insano do processo eleitoral.
Capitanich disse à Folha que o projeto torna as eleições mais "transparentes". "Quando vamos entrar em um avião, queremos saber se o piloto tem condições de voar porque, em caso negativo, nem entramos", afirmou.
Para a analista política Graciela Romer, as duas iniciativas são "barbaridades". "Trata-se de um senador atrás de espaço na mídia e de uma emissora que quer assumir o papel de um partido político. Diria que são atitudes mais perigosas do que engraçadas", disse.
Para ela, os argentinos "não são bobos" e vão responder à falta de iniciativas "sérias" do governo e da classe política com um enorme índice de abstenção e de votos brancos e nulos na eleição.
O mais forte sinal de que poderá haver um índice de abstenção recorde veio do próprio presidente Eduardo Duhalde, que, no último fim de semana, disse não saber se terá vontade de votar na prévia para a escolha do candidato de seu próprio partido, o Justicialista (peronista), em 15 de dezembro.
Além disso, pesquisa recente divulgada pela consultoria Graciela Romer & Associados mostrou que só 18% dos argentinos acreditam que possa haver mudanças após a eleição de março e que 29% dos eleitores não pretendem votar em nenhum candidato.
Um último indício de que hoje os argentinos não se sentem representados pela classe política veio da Província de Santiago del Estero. No último domingo, 43% dos habitantes da Província não compareceram às urnas para a eleição do governador e dos deputados locais. Trata-se do maior índice de abstenção desde o fim do regime militar, em 1983.
Na eleição, o peronismo -movimento que hoje controla o governo federal, 14 das 24 Províncias do país e metade do Congresso- obteve 68% dos votos válidos.
Para Graciela Romer, essa vitória expressiva do peronismo mostra que a oposição não deve ser capaz de absorver os votos dos descontentes em março.


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