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"Big Brother" intimida infrator britânico
Multiplicação de câmeras de vigilância desperta críticas a restrição de liberdades civis imposta pelo governo
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
ENVIADO ESPECIAL
A MIDDLESBROUGH
A cena parece saída de um filme de ficção: um garoto está
andando de bicicleta na calçada
quando a voz de uma autoridade invisível surge do nada. "O
rapaz de camiseta preta na bicicleta poderia, por favor, desmontar?", diz a voz, em um tom
educado, mas resoluto. Surpreso, o garoto procura o lugar de
onde vem o comando -um alto-falante acoplado a uma câmera, no alto de um poste- e
obedece, enquanto as pessoas
na calçada o observam, algumas rindo, outras espantadas.
Se a história parece incrível,
"você ainda não ouviu nada",
como avisa o slogan da prefeitura de Middlesbrough, no nordeste da Inglaterra, sobre a novidade da cidade no combate à
desordem social: câmeras de vigilância com sistema de som.
A cena é apenas uma das
muitas que se tornaram corriqueiras desde que a cidade instalou, há dois meses, alto-falantes que permitem às autoridades intervir no momento em
que uma infração é cometida.
A prefeitura não esconde o
princípio por trás do novo método: envergonhar o infrator.
"O sistema destaca a pessoa
no meio da multidão, chama a
atenção de todos para o infrator que, envergonhado, obedece ao comando e corrige sua atitude", explica Jack Bonnar, o
gerente da CCTV (televisão de
circuito fechado) na cidade.
A Folha visitou o centro de
operação das câmeras de Middlesbrough, que funciona 24
horas por dia. Três operadores
por turno sentam-se em frente
a 28 monitores ligados às 146
câmeras que vigiam as ruas.
Sete delas, todas na região
central, ganharam alto-falantes, cuja meta não é reprimir
crimes mais sérios como roubos -contra os quais são ineficientes, segundo estudos do
governo-, mas infrações leves,
como jogar lixo na rua, brigar
ou furtar cones de sinalização.
"A câmera detecta o problema, mas não o interrompe ou
evita, que é o que conseguimos
fazer quando falamos com as
pessoas", diz Bonnar. Ele cita
dados positivos -80% de redução nos pequenos delitos, melhoria na limpeza da cidade-
como prova de que o sistema,
ainda em fase inicial, funciona.
Sociedade de vigilância
O exemplo gerou críticas de
sociólogos e organizações de
defesa das liberdades civis. "A
humilhação pública não é a melhor forma de controle social",
disse ao jornal "The Guardian",
o professor Clive Norris, da
Universidade de Sheffield.
Norris, maior especialista
britânico em CCTV, diz que o
Reino Unido está passando de
uma sociedade de informação
para uma de vigilância: "O país
tem mais de 4 milhões de câmeras em ação, uma para cada
14 pessoas. É mais do que em
qualquer lugar do mundo, com
a possível exceção da China."
Ele identifica um salto no número de câmeras no governo
Blair, que tem sido constantemente atacado por adotar políticas de restrição aos direitos
individuais. "Temos um premiê
que insiste no argumento de
que os conceitos de liberdade
civil foram criados para uma
época passada", escreveu o romancista Henry Porter no jornal "Independent".
O que deixa os críticos atordoados é a aceitação da população. Uma pesquisa do instituto
YouGov mostrou que 72% da
população não vê as medidas
como invasivas. Porter cita
Benjamin Franklin, um dos
pais fundadores dos EUA, para
mostrar sua aversão a tal aprovação. "Aqueles que aceitam
ceder liberdades essenciais em
troca de segurança temporária
não merecem nem segurança
nem liberdade."
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