São Paulo, domingo, 22 de novembro de 2009

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Brasil entra em rota de atrito com americanos

Visita de Ahmadinejad, crise hondurenha e base colombiana complicam relação

Funcionário dos EUA refuta afirmação de Celso Amorim sobre Colômbia e diz que Washington preferia que iraniano não fosse recebido

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A visita do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil, que começa amanhã, é só o mais recente ponto de tensão na relação entre o país e os Estados Unidos, marcada por desacordos desde o episódio da ampliação da presença americana na Colômbia e agravada, nos últimos dias, pelas diferenças de opinião em relação à solução da crise hondurenha.
Na semana retrasada, o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) usou as palavras mais duras em relação ao governo de Barack Obama desde a posse do democrata.
Indagado pela Folha sobre o pacto militar com a Colômbia, o brasileiro disse que achava que "os EUA precisam ter mais franqueza com a região" e comentou o pedido não atendido de reunião que Lula teria feito a Obama para tratar do caso.
Anteontem à noite, em entrevista à Folha, um funcionário do governo americano, que pede para não ser identificado por estar discutindo assuntos diplomáticos, disse que o pedido de reunião ou um convite para um encontro nunca foi feito oficialmente, nem por Lula nem pelo Itamaraty.
Além disso, afirmou, se Brasil e Uruguai fizessem um acordo militar bilateral, os EUA achariam altamente improvável que os dois países divulgassem seu teor ou revelassem a natureza dele antecipadamente aos países da região, como Brasília exigiu dos governos americano e colombiano.
Por fim, em relação à visita de Ahmadinejad, disse que os EUA preferiam que não acontecesse. Disse ainda que, embora Washington não ache a visita um problema, também não pensa ter sido a melhor decisão tomada por Brasília. Sobre o assunto, encerrou dizendo que relatos de que o governo americano teria pedido ao brasileiro que atuasse como "intermediário" entre EUA e Irã são no mínimo exagerados.
Para o funcionário americano, no entanto, Washington e Brasília não estão exatamente em desacordo, mas com o que chamou de enfoques diferentes em algumas questões, e a situação não deve escalar para um confronto maior. Opinião semelhante tem a Embaixada do Brasil em Washington.
Em relação a Honduras, a representação diplomática brasileira reforça que os dois países têm trabalhado juntos para achar uma solução para a crise.
Sobre a visita de Ahmadinejad, a avaliação é que os EUA a veem como uma "oportunidade", palavra que o Executivo americano teria usado em comunicações com os brasileiros, segundo a Embaixada.
Em entrevista à Folha na semana retrasada, o secretário-geral do Itamaraty, Antônio Patriota, também havia dito que, quando dois países ampliam sua agenda e aumentam o grau de confiança mútua, "as divergências pontuais são absorvidas com mais facilidade".

"EUA irritados"
Consultados pela Folha, analistas da região são mais assertivos ao tratar dos atritos recentes entre os dois países. "Eu acho que a frase de Amorim é uma de várias declarações recentes do Brasil que irritaram os EUA", disse Peter Hakim, presidente do centro de pensamento centrista Diálogo Interamericano, de Washington.
Para ele, os EUA gerenciaram mal o acordo da base na Colômbia, sim, mas diplomatas americanos não acharam que estivessem escondendo nada do Brasil, como sugere o chanceler brasileiro. "Outro fator de irritação foi não o que ele disse, mas a maneira -com a intenção de repreender e talvez até afrontar os EUA."
Já para Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas, centro de pensamento com influência no Departamento de Estado, será preciso um gerenciamento cuidadoso de ambos os governos para que as divergências não evoluam para algo maior.
"Estamos num período em que os dois países estão mudando", disse. "Assim, os líderes tem de achar maneiras de cooperar ou as diferenças aumentarão as chances de atrito." Uma das oportunidades, acredita, é a crise hondurenha.
"Zelaya e Micheletti jogam muito com o fato de Brasil e EUA apoiarem, respectivamente e, no segundo caso, veladamente, o presidente deposto e o interino. Se os dois países se unissem, nem um dos dois resistiria à pressão conjunta."

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