|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Brasil entra em rota de atrito com americanos
Visita de Ahmadinejad, crise hondurenha e base colombiana complicam relação
Funcionário dos EUA refuta afirmação de Celso Amorim sobre Colômbia e diz que Washington preferia que iraniano não fosse recebido
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
A visita do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad ao
Brasil, que começa amanhã, é
só o mais recente ponto de tensão na relação entre o país e os
Estados Unidos, marcada por
desacordos desde o episódio da
ampliação da presença americana na Colômbia e agravada,
nos últimos dias, pelas diferenças de opinião em relação à solução da crise hondurenha.
Na semana retrasada, o ministro Celso Amorim (Relações
Exteriores) usou as palavras
mais duras em relação ao governo de Barack Obama desde a
posse do democrata.
Indagado pela Folha sobre o
pacto militar com a Colômbia,
o brasileiro disse que achava
que "os EUA precisam ter mais
franqueza com a região" e comentou o pedido não atendido
de reunião que Lula teria feito
a Obama para tratar do caso.
Anteontem à noite, em entrevista à Folha, um funcionário do governo americano, que
pede para não ser identificado
por estar discutindo assuntos
diplomáticos, disse que o pedido de reunião ou um convite
para um encontro nunca foi
feito oficialmente, nem por Lula nem pelo Itamaraty.
Além disso, afirmou, se Brasil e Uruguai fizessem um acordo militar bilateral, os EUA
achariam altamente improvável que os dois países divulgassem seu teor ou revelassem a
natureza dele antecipadamente aos países da região, como
Brasília exigiu dos governos
americano e colombiano.
Por fim, em relação à visita
de Ahmadinejad, disse que os
EUA preferiam que não acontecesse. Disse ainda que, embora Washington não ache a visita um problema, também não
pensa ter sido a melhor decisão
tomada por Brasília. Sobre o
assunto, encerrou dizendo que
relatos de que o governo americano teria pedido ao brasileiro
que atuasse como "intermediário" entre EUA e Irã são no mínimo exagerados.
Para o funcionário americano, no entanto, Washington e
Brasília não estão exatamente
em desacordo, mas com o que
chamou de enfoques diferentes
em algumas questões, e a situação não deve escalar para um
confronto maior. Opinião semelhante tem a Embaixada do
Brasil em Washington.
Em relação a Honduras, a representação diplomática brasileira reforça que os dois países
têm trabalhado juntos para
achar uma solução para a crise.
Sobre a visita de Ahmadinejad, a avaliação é que os EUA a
veem como uma "oportunidade", palavra que o Executivo
americano teria usado em comunicações com os brasileiros,
segundo a Embaixada.
Em entrevista à Folha na semana retrasada, o secretário-geral do Itamaraty, Antônio
Patriota, também havia dito
que, quando dois países ampliam sua agenda e aumentam
o grau de confiança mútua, "as
divergências pontuais são absorvidas com mais facilidade".
"EUA irritados"
Consultados pela Folha,
analistas da região são mais assertivos ao tratar dos atritos recentes entre os dois países. "Eu
acho que a frase de Amorim é
uma de várias declarações recentes do Brasil que irritaram
os EUA", disse Peter Hakim,
presidente do centro de pensamento centrista Diálogo Interamericano, de Washington.
Para ele, os EUA gerenciaram mal o acordo da base na
Colômbia, sim, mas diplomatas
americanos não acharam que
estivessem escondendo nada
do Brasil, como sugere o chanceler brasileiro. "Outro fator de
irritação foi não o que ele disse,
mas a maneira -com a intenção de repreender e talvez até
afrontar os EUA."
Já para Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das
Américas, centro de pensamento com influência no Departamento de Estado, será
preciso um gerenciamento cuidadoso de ambos os governos
para que as divergências não
evoluam para algo maior.
"Estamos num período em
que os dois países estão mudando", disse. "Assim, os líderes tem de achar maneiras de
cooperar ou as diferenças aumentarão as chances de atrito."
Uma das oportunidades, acredita, é a crise hondurenha.
"Zelaya e Micheletti jogam
muito com o fato de Brasil e
EUA apoiarem, respectivamente e, no segundo caso, veladamente, o presidente deposto
e o interino. Se os dois países se
unissem, nem um dos dois resistiria à pressão conjunta."
Texto Anterior: Visita culmina três anos de flerte bilateral Próximo Texto: País também causa polêmica no Congresso Índice
|