São Paulo, terça-feira, 22 de dezembro de 2009

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Relator da ONU quer asilo do Brasil a preso de Guantánamo

Manfred Nowak afirma que receber ex-detento de prisão americana não seria risco

Coautor de relatório sobre o centro de detenção, jurista deve apresentar às Nações Unidas em março de 2010 texto sobre prisões secretas


ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

Se o governo dos EUA encontra resistência entre aliados europeus na realocação de suspeitos de terrorismo detidos na prisão de Guantánamo (Cuba), esforços na América Latina têm tido ainda menos sucesso -o que não impede que um crescente número de vozes argumente a favor do envio de alguns deles para o Brasil.
É o caso do jurista austríaco Manfred Nowak, relator especial da ONU para a tortura, para quem o país não teria aumento no risco de segurança ao receber um preso do centro de detenção, símbolo da "guerra ao terror" do ex-presidente dos EUA George W. Bush. "Há muita gente solta no Brasil que pode ser perigosa e ninguém sabe. [No caso do detento de Guantánamo], se há alguma suspeita, sempre se pode monitorar", disse ele à Folha ontem, em São Paulo, onde participou de seminário internacional sobre os direitos humanos promovido pelo governo do Estado.
O presidente Barack Obama pretendia fechar a prisão até janeiro próximo, mas já admitiu que o prazo não será cumprido. Um dos problemas é o destino dos detentos.
"Sou a favor de todos receberem presos de Guantánamo. Se todos os países do mundo aceitassem ao menos um detento, o problema estaria resolvido", afirmou Nowak.
A ideia não é exatamente nova no governo brasileiro -em março, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, afirmou que, "do ponto de vista dos direitos humanos, é a favor" de o país abrigar ex-detentos da prisão. Vannuchi deixou a decisão para o chanceler Celso Amorim, que ainda não tem posição fechada sobre o tema.
O Itamaraty afirma que, apesar de não haver política oficial a respeito, em geral o país recebe presos de nacionalidade brasileira e por questões humanitárias. Alocar ex-detentos de Guantánamo estaria, portanto, fora dos padrões.
Para Nowak, situação similar ocorre na Europa: "Ministros dos direitos humanos ou mesmo chanceleres estão dispostos a receber os detentos, mas membros linha-dura dos governos afirmam que isso seria um risco". "Há muitos países que já os receberam e não houve riscos, como o Reino Unido. Devemos parar de pensar que essas pessoas são as mais perigosas do mundo e são a "representação do mal'", diz.
Na região, as Bermudas já aceitaram receber detidos de Guantánamo.

Novos rumos
Apesar de elogiar os esforços de Obama para fechar Guantánamo, que abriga hoje 198 presos, o relator diz ter encontrado problemas para investigar a prisão também neste governo.
Como ocorrera sob Bush, seus pedidos para entrevistar detentos em particular foram negados. "Fui convidado a ir da mesma maneira que congressistas vão, quase como uma visita turística. É absurdo", diz.
Coautor do relatório de 2006 da ONU sobre Guantánamo, ele discorda de parte do caminho escolhido pela Casa Branca para dar cabo da prisão, principalmente a perspectiva de alguns presos serem julgados em comissões militares ou permanecerem detidos indefinidamente sem julgamento.
"Temos que sair desse paradigma de guerra", afirmou. "Esse presos são acusados de crimes, e como tais devem ser julgados em tribunais penais domésticos ou soltos."
Além da investigação sobre Guantánamo, Nowak hoje estuda prisões secretas pelo mundo ao lado do relator especial da ONU para o terrorismo, Martin Scheinin. Suas conclusões serão apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em março de 2010.
Nesse caso, não são só os EUA que estão na berlinda. "Não se pode estabelecer "zonas negras" sem que ao menos algumas pessoas da inteligência e do governo dos países-base saibam. Houve uma cooperação próxima entre os sistemas de inteligência não só na Europa mas também no Oriente Médio e com países particulares de origem de suspeitos de terrorismo, como Egito, Jordânia, Síria, Arábia Saudita."
Em São Paulo, Nowak discutiu, ao lado de Paulo Sérgio Pinheiro, comissário interamericano de direitos humanos, e de convidados internacionais a criação de uma Corte Mundial de Direitos Humanos, à qual vítimas de abusos poderiam levar seus casos. Segundo Pinheiro, o rascunho da ideia já foi apresentado a cerca de 30 países e obteve apoio de 15. "O Brasil ainda não deu resposta formal, mas temos recebido sinais positivos", disse Pinheiro.


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