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HAITI EM RUÍNAS
ONGs recebem um terço dos fundos doados para o Haiti
Dos US$ 640 mi dados até ontem, cerca de US$ 240 mi foram entregues a organizações
Analistas ouvidos pela Folha chamam atenção para a falta de monitoramento internacional e sistêmico do uso de recursos doados
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
As organizações não governamentais são alvo de pouco
mais de um terço dos fundos
doados ao Haiti até agora e devem se tornar o maior canal de
financiamento da reconstrução, mostra uma análise contínua e detalhada dos dados financeiros de arrecadação monitorados pela ONU.
Enquanto alertas do FBI (polícia federal dos EUA) e das
próprias instituições de maior
porte previnem contra estelionatários que solicitam doações
sob nomes de ONGs, analistas
ouvidos pela Folha chamam
atenção para a falta de monitoramento internacional e sistêmico do uso de recursos. Nos
últimos dias, pipocaram críticas e pedidos de atenção sobre
a aplicação dos fundos.
A própria Cruz Vermelha adverte em seu último relatório
que "a falta de prestação de
contas leva a um trabalho de
má qualidade". "Houve várias
situações em que organizações
da sociedade civil perderam
credibilidade por trabalhos de
má qualidade, falta de transparência e por não prestarem
contas", segue o texto. "As tensões e a competição entre as
organizações também afetam a
efetividade da operação."
O cenário no momento é dominado pelas grandes entidades, especialmente as federações nacionais da Cruz Vermelha e o Comitê Internacional
da Cruz Vermelha (organizações irmãs, mas distintas), seguidas pelos Médicos Sem
Fronteira.
Segundo levantamento feito
pela Folha, dos cerca de US$
640 milhões doados ao Haiti
até ontem, aproximadamente
US$ 240 milhões foram ou serão entregues a ONGs. (Os números são um esboço, pois parte dos donativos é genericamente destinada "a ONU,
ONGs e Cruz Vermelha". Nesses casos, a reportagem somou
dois terços do valor.)
A Cruz Vermelha e seus escritórios nacionais receberam
pouco mais de 60% do montante. Os Médicos Sem Fronteira e agências nórdicas -os
países escandinavos têm longa
tradição de trabalho humanitário- também são destinatários
destacados, além da Care e da
Oxfam.
Reconstrução
Já os fundos prometidos às
ONGs mediante apresentação
de projetos futuros superam a
metade do US$ 1 bilhão arrecadado sem confirmação oficial
(doações que não foram nem
entregues nem estabelecidas
por compromisso legal) e crescem mais rapidamente do que o
restante, segundo o banco de
dados da ONU. Esse dinheiro é
normalmente vinculado a projetos de mais longo prazo.
Só a União Europeia prometeu US$ 300 milhões nessas
condições para serem repartidos entre a ONU e as ONGs, notadamente a Cruz Vermelha.
O grosso da arrecadação das
entidades civis vem mesmo de
empresas e pessoas físicas.
Segundo David Lewis, especialista em desenvolvimento e
ONGs na London School of
Economics, é impossível em
um grande desastre saber
quantas entidades de fato estão
em campo. "Muitas vezes, as
ONGs grandes trabalham com
as pequenas, ou mantêm uma
equipe menor no país e operam
com as locais", afirma.
Como o banco de dados da
ONU também não mostra doações mais pulverizadas, as pequenas entidades são especialmente difíceis de monitorar.
Um sem-número de instituições tem pedido contribuições
para o Haiti pela internet, o que
levou ao alerta do FBI.
Lewis sugere que os doadores busquem os dados financeiros da instituição e o relatório
de suas atividades de curto e
longo prazo antes de contribuir. Tanto a Cruz Vermelha
quanto os Médicos Sem Fronteiras publicam anualmente
seu balanço de caixa e a avaliação das atividades de campo em
seus websites.
Na falta de parâmetros internacionais de funcionamento,
estatutos de adesão voluntária
acabam servindo de guia ao fixarem padrões mínimos para
ação em desastres, transparência e prestação de contas.
O mais conhecido hoje é o
Projeto Sphere (www.sphereproject.org), lançado pela
Cruz Vermelha e por um grupo
de ONGs em 1997 e que conta
com apoio técnico da ONU. O
projeto, no entanto, não acompanha a implementação de
suas recomendações.
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