São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

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entrevista

Calendário dos EUA ditou independência

CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A independência de Kosovo abre precedente capaz de criar instabilidade mundial, afirma o americano Allan Kuperman, especialista em Bálcãs e em conflitos étnicos e intervenção humanitária. Para o professor da Universidade do Texas e analista do Council on Foreign Relations, de Washington, o risco de ataque albanês à minoria sérvia da Província e o calendário eleitoral americano determinaram o reconhecimento imediato do Estado kosovar pelos EUA. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - A Sérvia tem hoje um governo moderado. Por que os EUA e tantos países europeus decidiram reconhecer agora a independência de Kosovo?
ALLAN KUPERMAN -
Eu não acho que considerações sobre a política sérvia tenham influenciado esta decisão. O reconhecimento foi baseado em considerações sobre a política kosovar. Os EUA acreditavam que havia risco de violência albanesa caso Kosovo não se tornasse independente. E o governo americano, especialmente o subsecretário Nicholas Burns, queria revolver esta questão ainda no governo Bush. Creio que esses dois fatores determinaram o "timing" da independência.
É preocupante que os EUA -porque foi uma decisão americana reconhecer Kosovo e não propriamente uma política da Europa- tenham adotado essa política sem qualquer qualquer preocupação com a radicalização da política doméstica sérvia.

FOLHA - A forte reação dos nacionalistas sérvios contra a secessão já era esperada?
KUPERMAN -
Certamente já era esperada por mim. Os radicais quase ganharam a eleição deste ano [Boris Tadic foi reeleito presidente com 50,5%, contra 47,9% de Tomislav Nikolic, do Partido Radical]. Quase metade do povo na Sérvia preferia ficar fora da União Européia a aceitar a independência de Kosovo. O que aconteceu é que o governo americano não acreditou que fosse ocorrer uma reação nacionalista ou decidiu ignorar o impacto da independência na política sérvia.

FOLHA - A independência de Kosovo é um precedente para separatistas sérvios na Bósnia e no norte de Kosovo?
KUPERMAN -
É um precedente não apenas nos Bálcãs, mas em todo o mundo. O que foi dito aos separatistas é: se vocês pegarem em armas e iniciarem uma terrível guerra civil, nós lhes daremos um Estado. É um precedente muito, muito grave, para as relações internacionais e para a estabilidade mundial.

FOLHA - Nem todos os conflitos separatistas são reconhecidos como legítimos pelos EUA. Muitos grupos, como PKK [separatistas curdos], são considerados terroristas. Por que o caso de Kosovo é diferente?
KUPERMAN -
Os rebeldes albaneses de Kosovo também eram terroristas para os Estados Unidos em 1997. É uma decisão política; tanto os democratas quanto os republicanos mudaram.
Nós estávamos obcecados com ações cometidas anteriormente por Slobodan Milosevic na Bósnia quando começou o ataque aos albaneses, em 1998. Madeleine Albright [secretária de Estado do então presidente Bill Clinton] acusou Milosevic de cometer genocídio em Kosovo, o que não era verdade, e a ação militar passou a ser vista como necessária para conter a violência.


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