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entrevista
Calendário dos EUA ditou independência
CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A independência de Kosovo abre precedente capaz de
criar instabilidade mundial,
afirma o americano Allan
Kuperman, especialista em
Bálcãs e em conflitos étnicos
e intervenção humanitária.
Para o professor da Universidade do Texas e analista do
Council on Foreign Relations, de Washington, o risco
de ataque albanês à minoria
sérvia da Província e o calendário eleitoral americano determinaram o reconhecimento imediato do Estado
kosovar pelos EUA.
Leia abaixo os principais
trechos da entrevista.
FOLHA - A Sérvia tem hoje um
governo moderado. Por que os
EUA e tantos países europeus decidiram reconhecer agora a independência de Kosovo?
ALLAN KUPERMAN - Eu não
acho que considerações sobre a política sérvia tenham
influenciado esta decisão. O
reconhecimento foi baseado
em considerações sobre a
política kosovar. Os EUA
acreditavam que havia risco
de violência albanesa caso
Kosovo não se tornasse independente. E o governo americano, especialmente o subsecretário Nicholas Burns,
queria revolver esta questão
ainda no governo Bush.
Creio que esses dois fatores
determinaram o "timing" da
independência.
É preocupante que os EUA
-porque foi uma decisão
americana reconhecer Kosovo e não propriamente uma
política da Europa- tenham
adotado essa política sem
qualquer qualquer preocupação com a radicalização da
política doméstica sérvia.
FOLHA - A forte reação dos nacionalistas sérvios contra a secessão já era esperada?
KUPERMAN - Certamente já
era esperada por mim. Os radicais quase ganharam a eleição deste ano [Boris Tadic foi
reeleito presidente com
50,5%, contra 47,9% de Tomislav Nikolic, do Partido
Radical]. Quase metade do
povo na Sérvia preferia ficar
fora da União Européia a
aceitar a independência de
Kosovo. O que aconteceu é
que o governo americano
não acreditou que fosse
ocorrer uma reação nacionalista ou decidiu ignorar o impacto da independência na
política sérvia.
FOLHA - A independência de Kosovo é um precedente para separatistas sérvios na Bósnia e no
norte de Kosovo?
KUPERMAN - É um precedente não apenas nos Bálcãs,
mas em todo o mundo. O que
foi dito aos separatistas é: se
vocês pegarem em armas e
iniciarem uma terrível guerra civil, nós lhes daremos um
Estado. É um precedente
muito, muito grave, para as
relações internacionais e para a estabilidade mundial.
FOLHA - Nem todos os conflitos
separatistas são reconhecidos como legítimos pelos EUA. Muitos
grupos, como PKK [separatistas
curdos], são considerados terroristas. Por que o caso de Kosovo é
diferente?
KUPERMAN - Os rebeldes albaneses de Kosovo também
eram terroristas para os Estados Unidos em 1997. É
uma decisão política; tanto
os democratas quanto os republicanos mudaram.
Nós estávamos obcecados
com ações cometidas anteriormente por Slobodan Milosevic na Bósnia quando começou o ataque aos albaneses, em 1998. Madeleine Albright [secretária de Estado
do então presidente Bill
Clinton] acusou Milosevic de
cometer genocídio em Kosovo, o que não era verdade, e a
ação militar passou a ser vista como necessária para conter a violência.
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