São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE

Culpar agentes estrangeiros é recurso clássico dos líderes árabes em apuros

SAMY ADGHIRNI
DE SÃO PAULO

Muammar Gaddafi atribuiu ontem a revolta a "terroristas manipulados por forças externas".
A perspectiva de que inimigos estrangeiros estão ansiosos por controlar o país foi uma das ideias centrais de seu discurso à população.
Em alguns trechos, ele culpou os EUA, o inimigo histórico com quem normalizara relações nos últimos anos.
"Vocês querem ser ocupados pela América, como o Afeganistão e o Iraque?", afirmou Gaddafi, em tom de chantagem aos rebeldes.
O ditador, que comanda um regime secular alérgico a grupos religiosos, também botou a culpa em radicais islâmicos estrangeiros.
"[Os inimigos] estão transformando a Líbia num Estado islâmico de Zawahiri e Bin Laden, um novo Afeganistão", bradou, numa referência ao governo que os fundadores da Al Qaeda ajudaram a sustentar em Cabul.
Jogar a culpa por qualquer distúrbio em forças externas organizadas é um recurso clássico dos regimes árabes.
O governo do rei Mohamed 6º, do Marrocos, vem insinuando por meio da mídia estatal que os recentes protestos por reformas são orquestrados pelo governo da arquirrival vizinha Argélia -pressionado por manifestações maiores e mais violentas que as marroquinas.
Semanas atrás, o tunisiano Zine El Abidine Ben Ali e o egípcio Hosni Mubarak haviam recorrido à mesma estratégia de autodefesa, antes de acabar varridos do poder.
Ben Ali disse que a insurreição era orquestrada por islamistas estrangeiros e "sionistas", uma referência a Israel, o inimigo preferido dos líderes árabes em busca de empatia popular.
Mubarak, que tinha relações privilegiadas com Israel, não pôde se dar ao luxo de botar ele mesmo a culpa nos sionistas. Quem cuidou disso foi a mídia estatal, que atribuiu a revolta popular a uma improvável aliança entre Israel e Irã, arquirrival persa dos regimes árabes.
Ditadores árabes vivem quase todos isolados de qualquer contato com a população. Muitos têm inclusive convicção de fazer o bem e acreditam com sinceridade que só agentes externos teriam interesse em afetá-los.
Ajudados pela propaganda oficial, os regimes se apoiaram durante anos no complexo cultivado por muitos árabes de que o Ocidente não quer que sejam fortes e soberanos. O fantasma do colonialismo ocidental foi usado à exaustão nesse sentido.
O momento atual deixa claro que não cola mais.


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