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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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ATAQUE DO IMPÉRIO

"CHOQUE E PAVOR"

Tropas da coalizão já estariam a 160 km da capital; Iraque exibe civis feridos

EUA avançam para Bagdá e mantêm bombardeio

Stephen Hird/Reuters
Corpo de militar iraquiano é coberto; soldado foi morto durante ações das forças britânicas contra o Iraque na península de Fao, no sul


SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Bagdá começou a sofrer novo ataque no início da noite de ontem, enquanto ainda tentava contabilizar os efeitos devastadores do ataque da véspera.
Até então o ataque mais violento da guerra, o ataque na noite de sexta, que deu início à tática chamada de "Choque e Pavor" pelo Pentágono, fez pelo menos três mortos e 207 feridos civis em Bagdá, metade delas crianças e mulheres, disseram ontem autoridades iraquianas -41% da população iraquiana tem de 0 a 14 anos.
O total de feridos civis desde o início da guerra chegou a 250 em todo o país, segundo o governo iraquiano. "Esses 207 [feridos] são os alvos militares da gangue de vilões de Washington", ironizou o ministro da Informação, Mohammed Said Al-Sahaf .
Dados não confirmados pelo governo de Saddam indicam que o número de iraquianos mortos, entre civis e militares, passa de 104. A coalizão anglo-americana perdeu 25 homens até agora -9 em combate e 19 em acidentes.
Segundo o comandante militar dos EUA, Tommy Franks, os bombardeios são os mais "precisos" já realizados, usando apenas "bombas inteligentes". Mais de mil mísseis e mil bombas foram usadas pelos EUA contra o Iraque na sexta, afirmou o Pentágono.
As tropas anglo-americanas avançaram ontem rumo a Bagdá. O Pentágono afirmou que suas forças ocuparam Nassiriah, a 320 km da capital. Segundo a rede de TV iraquiana, já haveria conflitos entre as forças de Saddam Hussein e americanos em Najaf, cidade localizada apenas 160 km ao sul de Bagdá.
A emissora disse também que nesse confronto o líder do Partido Baath, de Saddam, teria morrido.
Americanos e britânicos também conseguiram assegurar a passagem por Basra, maior cidade do sul iraquiano.

Inferno
Cinco hospitais receberam os feridos, que vieram de praticamente todos os bairros de Bagdá, segundo os médicos ouvidos pela Folha. O principal foi o Hospital Universitário Ali Armuk, o maior da cidade, que respondeu pelo atendimento de metade deles.
O cenário ali na manhã de ontem era infernal. Dezenas de câmeras de TV e repórteres se acotovelavam em volta do leito do menino Ahmed Ali, com faixas na cabeça, nos braços e na barriga. Ao seu lado, seu pai fazia um discurso inflamado contra o presidente dos EUA, George W. Bush.
Nos corredores, mulheres, todas cobertas de preto, gritavam palavras de ordem e slogans pró-Saddam. Soldados à paisana armados de submetralhadoras tentavam conter a multidão, e um general falava à imprensa local postado na cabeceira do leito.
"Fizemos mais de 20 cirurgias desde que a primeira bomba de sexta-feira caiu", disse Zeiad Abdul Karem, o médico responsável. "Neste momento, há sete pessoas sendo operadas, duas delas menores de idade." Os casos são muitos. Como o do taxista Taher Mizhel, 29, com grande parte do corpo queimada pelo calor de um míssil caído perto de sua casa. Ou o menino Saad Hassan, 7, machucado por estilhaços na barriga e em ambas as mãos.
Os ataques aéreos à capital iraquiana continuaram durante toda a madrugada de ontem e entraram esporádicos pela manhã e tarde de sábado, sendo retomados à noite.
Depois desses bombardeios, a energia elétrica foi cortada em vários bairros de Bagdá -parte da cidade ficou às escuras.
A maioria acontecia nos limites da cidade, quase fora do perímetro urbano, provavelmente com a meta de acertar a guarda de elite de Saddam, que controla as entradas de Bagdá e deve oferecer a maior resistência às forças invasoras anglo-americanas.
O governo queimou ao menos dez contêineres de óleo em Bagdá. O objetivo era atrapalhar o ataque aéreo, gerando enormes nuvens de fumaça, que poluíam o ar e irritavam os olhos e a garganta.
Foi a primeira vez desde o início da guerra que os EUA bombardearam além da madrugada e a primeira vez também que as aeronaves eram visíveis do solo. Já as baterias antiaéreas mostravam sinal de falta de munição.
Autoridades militares ouvidas pela Folha seguem se recusando a falar da estratégia de defesa e se limitam a repetir palavras de ordem e declarar lealdade a Saddam. Al-Sahaf nega ainda que as tropas invasoras tenham tomado a cidade portuária de Umm Qasr e duas bases aéreas no oeste iraquiano. Disse que o Iraque destruiu cinco tanques da coalizão -21 mísseis Tomahawk teriam sido abatidos.
O governo iraquiano diz ainda que sua liderança e seu controle sobre o país estão intactos. A TV estatal mostrou imagens do ditador Saddam Hussein em reuniões com militares -a emissora afirmou que esses encontros ocorreram ontem.
Entre os alvos atingidos em Bagdá desde a noite de sexta, a Folha confirmou os seguintes: a sede do Parlamento; os palácios presidenciais da Liberdade e das Flores; os dois principais escritórios de segurança do governo; o Departamento de Engenharia localizado dentro de um dos complexos residenciais de Saddam e, novamente, o escritório do vice-premiê Tariq Aziz.
Um dos palácios destruídos era dos mais imponentes do centro da cidade, com quatro bustos de Saddam esculpidos em concreto com cerca de 6 metros de altura cada um -as estátuas foram das únicas coisas a sobrarem de pé.
Em frente ao Departamento de Engenharia, as pedras do edifício atingido tomavam as duas pistas das ruas e interrompiam o trânsito. Indagado sobre se tinha visto o presidente iraquiano vivo desde o início da guerra, na madrugada de quinta-feira, o ministro Al-Sahaf respondeu apenas: "Por favor, pergunte algo razoável".
Outro alvo, dessa vez civil, foi o parque temático Ilha Turística de Al Aras, que se espalha ao longo do rio Tigre. Ferros retorcidos, vigas partidas de concreto, palmeiras queimadas e cheiro de cinzas recentes faziam parecer uma demolição que tivesse pegado fogo ao final, mas era resultado de três bombas seguidas, despejadas por engano, segundo Bagdá.
"Parece um alvo militar para você?", perguntava Raad Abdulatif Al Nayali, o gerente do lugar, equilibrando-se na beira da cratera formada pela segunda bomba, com 5 m de diâmetro por 1,5 m de profundidade -o choque foi tamanho que acabou minando água para o fundo do buraco. Em volta da área era possível enxergar bolas de metal fundido do míssil do tamanho de laranjas.
Na cidade inteira, muitas janelas de casas e comércios estavam com os vidros partidos, alguns soldados caminhavam feridos e o clima de tensão parecia aumentar entre a população civil.
Na rádio de ondas curtas Iraque Livre, de propaganda americana e cada vez mais sintonizada localmente, o locutor ameaçava com um "tapete de bombas vindas do céu" na noite de ontem se as autoridades não se rendessem.


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