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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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GEOPOLÍTICA

Ao fomentar antiamericanismo, ação unilateralista afeta interesses dos EUA a longo prazo

Guerra é teste para Doutrina Bush

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A Doutrina Bush tem seu primeiro teste nesta guerra contra o Iraque e, em tese, poderá abrir caminho para outras ações militares preventivas se os interesses dos EUA estiverem ameaçados.
Todavia, de acordo com especialistas consultados pela Folha, mesmo que venham a existir, as novas guerras preventivas não deverão ocorrer do mesmo modo como a ação militar no Iraque.
"Desde 1945, o uso da força limitou-se à autodefesa. Guerras preventivas não eram aceitas. Por conta do que Washington pensa ser um perigo iminente de que os terroristas obtenham armas de destruição em massa, os EUA crêem não poder esperar", avaliou Joseph Nye, reitor da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard (EUA).
"Porém, se pretendem expandir o critério de iminência para poder lançar guerras preventivas, os EUA deveriam privilegiar o multilateralismo. Afinal, caso contrário, será criado um terrível precedente, que poderá permitir a invasão da Geórgia pela Rússia, por exemplo, e minar os interesses americanos a longo prazo."
A Doutrina Bush é o conjunto de princípios e de métodos preconizados por Washington para proteger os EUA de ataques terroristas, consolidar sua hegemonia na esfera mundial e perpetuá-la.
Ela parte do pressuposto de que os EUA (a única superpotência do planeta) têm o papel de proteger o mundo civilizado dos terroristas. Assim, permite o lançamento de ataques preventivos a Estados que poderiam lhes fornecer armas de destruição em massa.
Na prática, contudo, a idéia de que uma onda de ataques preventivos unilateralistas americanos pode existir é inviável. "Depor um chefe de Estado, reconstruir um país e instalar nele um governo estável são tarefas muito complexas", apontou Charles Tilly, da Universidade Columbia (EUA).
"Em termos práticos, a conquista e a ocupação do Iraque serão tão complicadas, será tão difícil manter certa estabilidade, que acho improvável que Washington decida atacar outros alvos rapidamente. Por exemplo, [George W.] Bush não está mais tão determinado a obrigar a Coréia do Norte a acatar suas diretivas, o que mostra que ele está ciente das dificuldades que enfrentará no Iraque."
Ademais, Nye lembrou que o maior aspecto do poder americano foi, ao longo das últimas duas décadas, seu "soft power" (a força internacional de um país que advém de sua influência cultural e ideológica sobre o restante do planeta). Ora, ações militares unilateralistas só tendem a atenuar essa influência americana na cena internacional, prejudicando seus interesses a longo prazo.
Para Charles Kupchan, do Council on Foreign Relations (EUA), a própria essência da doutrina minará o poderio americano. "Ela argumenta que o objetivo dos EUA é manter seu domínio mundial, resistindo ao aparecimento de um contrapeso que possa ameaçar sua hegemonia. Paradoxalmente, isso provocará o surgimento de vários pontos de resistência à política americana."
De fato, ações militares dos EUA sem a anuência internacional formal (a ONU não aprovou a ação no Iraque) e que deverão causar milhares de mortes entre os civis tendem a criar um ambiente propício ao surgimento ou à consolidação de movimentos extremistas antiamericanos.


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