São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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Filme levou prêmio de "noite cultural" em dormitório

EM BLOEMFONTEIN (ÁFRICA DO SUL)

É numa vila de casinhas pintadas de amarelo e telhado vermelho, a dez minutos do campus da Universidade de Free State, que o vídeo foi feito. A residência Reitz completa 60 anos em 2008 e abrigou os pais e avós de muitos dos atuais 120 moradores.
Por décadas, a língua falada sempre foi o africâner. O esporte, o rúgbi. O som, rock sul-africano pesado. Mas, desde o ano passado, pela primeira vez, a residência se viu forçada pela reitoria a abrigar oito negros -que falam inglês, preferem futebol e ouvem reggae, r&b e músicas tradicionais.
"Nós somos uma minoria e nos sentimos ameaçados. Estão lentamente tirando tudo de nós", diz Pieter Odendaal, 23, o "presidente" da república, estudante de engenharia.
Reitz tem má fama em Bloemfontein, mesmo entre os brancos. A reportagem da Folha ouviu recomendações reiteradas para não visitar o lugar, mas foi bem tratada. Os oito moradores negros não foram encontrados, no entanto. O vídeo seria parte de uma "noite cultural" da residência, em que cada chalé inventa uma atividade. Seus criadores levaram o prêmio da noite.
Em Reitz, são famosas as histórias de moradores brancos, bêbados, jogando gelo em mulheres negras que passam em frente à residência. Odendaal diz que não é racismo, mas "brincadeiras de mau gosto que ocorrem em qualquer residência estudantil". Entre os estudantes brancos, o discurso predominante é de que não haverá retorno ao apartheid.
Mas há insegurança explícita com a estratégia do governo de dar aos negros maior controle sobre a economia. Em vigor desde o fim do apartheid, a política de "fortalecimento econômico dos negros" obriga empresas a colocar negros em postos de comando e dá a eles vantagens na hora de conseguir empregos. Uma classe de negros milionários surgiu em decorrência, muitos com conexões com o governo.
"Eu, quando me formar, não sei se conseguirei um emprego, porque está tudo reservado para os negros. Milhares de brancos sul-africanos estão deixando o país", diz Odendaal.
A Universidade de Free State tem 23 residências estudantis, sendo 13 brancas e dez negras. A segregação acontece em praticamente todas.
A cem metros de Reitz, Villa Bravado é um prédio de cinco andares que abriga 150 estudantes negros e três "coloured", como são classificados os raros mestiços. Enquanto Reitz tem chalés aconchegantes, Villa Bravado tem o formato tradicional de quartos apertados.
O "presidente" da residência negra, Renaldo Dupreez, 21, afirma que está aberto a receber brancos, mas não pode forçá-los a se mudar. "Reitz tem mais dinheiro. Os pais dos estudantes que estudaram lá no passado dão a eles TVs de plasma e internet de alta velocidade. Claro que eles preferem ir para lá", afirma.
Dupreez conta que, no ano passado, dois estudantes brancos chegaram a se registrar na residência negra. Mudaram de idéia após uma semana.
A reitoria da universidade, a partir de agora, promete ser mais incisiva na hora de misturar as residências. "Em algum momento, vamos ter de forçar a integração. Não se pode deixar a integração racial ao acaso", diz o vice-reitor da universidade para assuntos estudantis, Ezekiel Moraka. "Estamos num processo de construção dessa nação. É na universidade que isso precisa começar." (FZ)


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