São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2010

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ANÁLISE

Uma grande vitória. Mas a que custo?

DAVID E. SANGER
DO "NEW YORK TIMES"

A aprovação da reforma da saúde garante, não importa qual seja o custo, que Barack Obama ganhará lugar na história como um dos poucos presidentes a encontrar uma maneira de reformular o sistema de bem-estar social dos EUA.
Pode ter sido um feito histórico ou um suicídio político para o seu partido -talvez ambas as coisas-, mas Obama obteve sucesso naquilo em que Bill Clinton fracassou: remodelar o sistema de saúde dos EUA.
O cerne da estratégia de Obama é a aposta em que os republicanos tenham forçado demais a barra ao tentar retratar a proposta como um avanço em direção ao socialismo. Agora, armados com um pacote legislativo que oferece benefícios a milhões de pessoas e promete garantir seguro de saúde a muita gente que o via como inacessível ou caro demais, a Casa Branca acredita que possa ter saído ganhando da disputa.
"Essa estratégia só funcionaria bem para o Partido Republicano caso não tivéssemos conseguido aprovar o pacote", disse David Axelrod, assessor de Obama. "Eles queriam combater uma caricatura do programa, e não o projeto real. Agora é problema deles dizer a uma criança com uma doença preexistente que acham que ela não merece cobertura de saúde."
Mas não resta dúvida de que, ao longo do debate, Obama perdeu algo. A promessa com a qual ele se elegeu em 2008 -a de uma Washington "pós-partidária", na qual a racionalidade e o discurso sensato substituiriam as disputas entre os partidos- se foi, e não há como trazê-la de volta.
Jamais, na história moderna, um pacote legislativo importante fora aprovado sem ao menos um voto republicano. O democrata Lyndon Johnson conquistou quase metade dos votos republicanos da Câmara para criar em 1965 o Medicare -programa de assistência médica aos idosos que muitos denunciaram em termos semelhantes aos empregados para combater a atual reforma.
"É preciso encarar o fato de que Obama fracassou em seu esforço de ser um presidente capaz de superar nossas tradicionais divisões", disse Peter Beinart, ensaísta de centro-esquerda. "O fato é que ele é o terceiro presidente polarizador que temos em seguida."
Obama pagou um preço alto por essa lição de governo. Quase foi derrotado no debate sobre a reforma da saúde e só conseguiu garantir uma vitória depois de adiar praticamente todas as suas demais prioridades e de defender a causa com um estilo passional que não exibia desde a campanha eleitoral. O argumento vitorioso, por fim, foi o de que embora o resultado político possa ser adverso para ele e outros democratas, reformar o sistema de saúde era uma pedra fundamental de seu credo quanto a uma "mudança na qual se pode acreditar"-seu slogan de campanha.
Os republicanos entraram na disputa convictos de que sabiam como ela se encerraria: com a queda da popularidade de Obama e uma perda maior que a normal para o partido do presidente nas eleições legislativas de meio de mandato.
O Partido Republicano, cada vez mais conservador, acredita que a reforma da saúde serve como prova de sua teoria de que o presidente quer criar um governo que interfira cada vez mais nas vidas dos cidadãos.
A aposta de Obama é a de que aquilo que funcionou para Franklin Roosevelt e Lyndon Johnson funcionará também para ele. Assim que os americanos descobrirem que os planos de saúde não podem mais rejeitá-los devido a doenças preexistentes ou que podem manter seus filhos como dependentes em seus planos por mais tempo, acredita Obama, eles passarão a apreciar mais e mais o efeito das mudanças sobre suas vidas cotidianas.
Anos passarão antes que possamos saber se as piores previsões dos republicanos ou a visão de Obama quanto a um sistema de saúde quase universal se tornarão realidade. Enquanto isso, Obama poderá alegar, com fundamentos e pela primeira vez em seu governo, que apostou tudo a fim de transformar suas convicções em lei.


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