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ANÁLISE
Uma grande vitória. Mas a que custo?
DAVID E. SANGER
DO "NEW YORK TIMES"
A aprovação da reforma da
saúde garante, não importa
qual seja o custo, que Barack
Obama ganhará lugar na história como um dos poucos presidentes a encontrar uma maneira de reformular o sistema de
bem-estar social dos EUA.
Pode ter sido um feito histórico ou um suicídio político para o seu partido -talvez ambas
as coisas-, mas Obama obteve
sucesso naquilo em que Bill
Clinton fracassou: remodelar o
sistema de saúde dos EUA.
O cerne da estratégia de Obama é a aposta em que os republicanos tenham forçado demais a barra ao tentar retratar a
proposta como um avanço em
direção ao socialismo. Agora,
armados com um pacote legislativo que oferece benefícios a
milhões de pessoas e promete
garantir seguro de saúde a muita gente que o via como inacessível ou caro demais, a Casa
Branca acredita que possa ter
saído ganhando da disputa.
"Essa estratégia só funcionaria bem para o Partido Republicano caso não tivéssemos conseguido aprovar o pacote", disse David Axelrod, assessor de
Obama. "Eles queriam combater uma caricatura do programa, e não o projeto real. Agora é
problema deles dizer a uma
criança com uma doença preexistente que acham que ela não
merece cobertura de saúde."
Mas não resta dúvida de que,
ao longo do debate, Obama perdeu algo. A promessa com a
qual ele se elegeu em 2008 -a
de uma Washington "pós-partidária", na qual a racionalidade e o discurso sensato substituiriam as disputas entre os
partidos- se foi, e não há como
trazê-la de volta.
Jamais, na história moderna,
um pacote legislativo importante fora aprovado sem ao menos um voto republicano. O democrata Lyndon Johnson conquistou quase metade dos votos republicanos da Câmara para criar em 1965 o Medicare
-programa de assistência médica aos idosos que muitos denunciaram em termos semelhantes aos empregados para
combater a atual reforma.
"É preciso encarar o fato de
que Obama fracassou em seu
esforço de ser um presidente
capaz de superar nossas tradicionais divisões", disse Peter
Beinart, ensaísta de centro-esquerda. "O fato é que ele é o terceiro presidente polarizador
que temos em seguida."
Obama pagou um preço alto
por essa lição de governo. Quase foi derrotado no debate sobre a reforma da saúde e só conseguiu garantir uma vitória depois de adiar praticamente todas as suas demais prioridades
e de defender a causa com um
estilo passional que não exibia
desde a campanha eleitoral. O
argumento vitorioso, por fim,
foi o de que embora o resultado
político possa ser adverso para
ele e outros democratas, reformar o sistema de saúde era uma
pedra fundamental de seu credo quanto a uma "mudança na
qual se pode acreditar"-seu
slogan de campanha.
Os republicanos entraram na
disputa convictos de que sabiam como ela se encerraria:
com a queda da popularidade
de Obama e uma perda maior
que a normal para o partido do
presidente nas eleições legislativas de meio de mandato.
O Partido Republicano, cada
vez mais conservador, acredita
que a reforma da saúde serve
como prova de sua teoria de
que o presidente quer criar um
governo que interfira cada vez
mais nas vidas dos cidadãos.
A aposta de Obama é a de que
aquilo que funcionou para
Franklin Roosevelt e Lyndon
Johnson funcionará também
para ele. Assim que os americanos descobrirem que os planos
de saúde não podem mais rejeitá-los devido a doenças preexistentes ou que podem manter
seus filhos como dependentes
em seus planos por mais tempo, acredita Obama, eles passarão a apreciar mais e mais o
efeito das mudanças sobre suas
vidas cotidianas.
Anos passarão antes que possamos saber se as piores previsões dos republicanos ou a visão de Obama quanto a um sistema de saúde quase universal
se tornarão realidade. Enquanto isso, Obama poderá alegar,
com fundamentos e pela primeira vez em seu governo, que
apostou tudo a fim de transformar suas convicções em lei.
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