São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ONDA DE REVOLTAS

Cidade rebelde vira depósito de cadáveres

Covas do principal cemitério têm de ser ampliadas às pressas; não há mais espaço em câmaras frigoríficas

Segundo supervisor do necrotério, cerca de 300 corpos chegaram na última semana, a maioria de civis

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A BENGHAZI

Capital rebelde da Líbia e principal cidade no leste do país, Benghazi se tornou um imenso depósito de cadáveres destroçados pela guerra.
O número de covas do principal cemitério está sendo ampliado à pressas para acomodar os mortos encaminhados às dezenas. Não há mais espaço nas câmaras frigoríficas dos hospitais.
A superlotação deve aumentar, já que muitos dos feridos que lotam as UTIs da cidade estão em coma ou tiveram morte cerebral decretada pelos médicos.
Benghazi enterra suas vítimas da semana passada, quando a cidade sofreu um grande ataque de tropas governistas, mas também mortos de outras localidades.
Combates constantes a oeste, principalmente em Ajdabyah, 150 km a oeste, tornam impossível realizar enterros. Mortos acabam levados até Benghazi.
A primeira parada dos cadáveres é o necrotério do hospital público Jala, no centro de Benghazi.
O local, visitado ontem pela Folha, tem apenas 14 compartimentos -todos ocupados. Rente a uma das geladeiras estão colocados sacos de lona verde contendo cadáveres que não cabem. A sala cheira a formol.
Em uma salinha adjacente estão dois outros sacos, nos quais foram colocados os corpos mais mutilados, ou o que restou deles.
Um dos funcionários fez questão de abrir os sacos para mostrá-los, deixando à mostra pedaços de carne viva embolados com tripas, ossos e restos de roupa. "Olhe o que o Gaddafi fez", gritava.
A Folha também viu um combatente com uniforme militar explodir em choro ao reconhecer o amigo morto no front, retirado de uma das gavetas do frigorífico.
Segundo Hassan Mohamed, supervisor do necrotério, cerca de 300 cadáveres chegaram na última semana, a maioria de civis não envolvidos em combate.
A alguns quilômetros do hospital encontra-se o cemitério de Hawary, onde a Folha acompanhou o enterro coletivo de quatro pessoas mortas sob fogo do Exército de Gaddafi. Entre as vítimas estava um combatente de 19 anos de idade.

TRINCHEIRAS
Os cadáveres estão sendo alinhados numa trincheira cavada de última hora por escoteiros líbios, que manejam pás e tijolos numa ponta da escavação ao mesmo tempo em que são feitos os enterros na outra.
"Gaddafi é um monstro, um psicopata. Que continue matando, nada nos deterá", disse, com voz de choro, um voluntário do Crescente Vermelho (o braço islâmico da Cruz Vermelha).
Dezenas de jovens na volta dele, muitos levando fuzis e metralhadoras no ombro, respondiam aos gritos de "Allah Akbar" -Deus é o maior, em árabe.


Texto Anterior: Análise onda de revoltas: Na Líbia, luta democrática se confunde com guerra tribal
Próximo Texto: Jornalistas do "Times" relatam tensão sob poder dos soldados
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.