São Paulo, domingo, 23 de abril de 2000


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SONHO AMERICANO
Apesar de protestos pela volta de Elián, muitos moradores da ilha continuam a tentar arriscada travessia
Cubanos seguem fugindo para os EUA

JAN McGIRK
do "The Independent",

em Varadero, Cuba

Enquanto milhares de cubanos saem às ruas pedindo a volta do menino náufrago Elián González, 6, paradoxalmente não se reduziu o êxodo de cubanos que sonham em enriquecer nos EUA. Só no ano passado, cerca de 1.300 pessoas fugiram da ilha levando seus poucos pertences.
Apesar de 60 candidatos a refugiados terem morrido afogados durante a viagem -entre eles a mãe de Elián, Elisabet Brotons-, centenas de outros continuam tentando atravessar o estreito infestado de tubarões que separa sua ilha dos EUA.
Eles se reúnem na costa norte da ilha, repleta de manguezais, e, com suas famílias, lotam pequenas embarcações motorizadas que, apesar de frágeis, representam um avanço grande em relação às toscas jangadas feitas pelos refugiados no início dos anos 90.
As fortes correntezas do golfo do México que passam por Cárdenas podem levá-los 150 km ao norte, até atingirem a Flórida.
Os proprietários das lanchas velozes usadas no contrabando de cigarros, que também são o meio de transporte preferido dos narcotraficantes de Miami, cobram até US$ 8.000 por pessoa.
O construtor que vendeu um barco de alumínio de seis metros a Lázaro Munero, o namorado da mãe de Elián, foi preso pouco após o naufrágio da embarcação.
Apesar do risco, a maioria dos candidatos a refugiados prefere recorrer a operadores menores, como Munero, devido aos preços mais baixos que cobram. O casal que sobreviveu à viagem, ao lado de Elián, contou aos funcionários da imigração que pagara US$ 1.000 pela viagem clandestina.
Ninguém oferece essas viagens abertamente, mas não falta garra aos desempregados que passam os dias à toa nas ilhas entre Cárdenas e o resort turístico de Varadero. Em troca de um pequeno pagamento em dinheiro vivo, é fácil descobrir quando vai partir o próximo barco .
"Quem quer partir não tem medo do mar", disse ao "Miami Herald" uma prima de Elián, Carmen Rodriguez Brotons. Ela fez a viagem há quase dois anos com seu marido, Orlando. Seu bote salva-vidas improvisado era a câmara de um pneu de trator russo, semelhante àquela à qual a mãe de Elián amarrou o menino. Os pais, dois irmãos e uma cunhada de Orlando morreram em novembro, na viagem de Elián.
A maioria dos cubanos que arrisca a perigosa travessia tem menos de 30 anos. Mais da metade dos 11 milhões de cidadãos cubanos nasceu após a revolução de 1959 e vê como algo natural e nada especial o ensino e saúde gratuitos proporcionados pelo comunismo. Cada vez mais, porém, os jovens se ressentem das restrições impostas pelo estilo de vida pós-revolucionário.
Hoje em dia, as etiquetas de grifes são tão valorizadas entre os cubanos jovens que em Havana se vêem mais camisetas com a assinatura de Tommy Hilfiger do que com a de Che Guevara.
Recentemente um adolescente de Varadero, sem condições financeiras de usar as roupas esporte da moda, mandou tatuar o logotipo da Nike diretamente em seu peito.
Desde o início dos anos 90, quando a queda da União Soviética levou a economia cubana a entrar em colapso, o governo cubano vem incentivando o turismo estrangeiro.
Um dos maiores pontos de partida é a praia de Varadero, onde o pai e a mãe de Elián trabalhavam, em busca de gorjetas em dólares.
"Aqui a gente tem um vislumbre da boa vida e percebe que ela pode ser melhor ainda lá fora", diz a camareira Maria, que trabalha no hotel Paradiso. "É só uma questão de tempo." O salário médio cubano é de apenas US$ 8 por mês, e os profissionais de mais alta categoria ganham US$ 30.
O governo distribui carnês de racionamento para os produtos alimentícios básicos, mas as famílias que não têm acesso a dólares enfrentam dificuldades para sobreviver de um mês a outro.
Muitos cubanos sobrevivem com a ajuda de amigos e parentes, que mandam dinheiro do exterior para seus familiares pobres. Os estimados US$ 800 milhões que chegam do exterior representam uma contribuição vital à economia cubana.
A sociedade cubana se divide em três faixas: a elite do Partido Comunista, as pessoas que têm acesso a dólares e o resto.
Com 2 milhões de turistas esperados este ano, Cuba investiu muito em resorts turísticos de praia e mergulho, apropriados para pacotes de férias. Novos joint ventures trouxeram dúzias de guindastes de construtoras para o litoral de Varadero, onde pipocam apartamentos em regime de partilha e prédios de apartamentos à beira-mar. Para promover um ambiente "família", o governo está exercendo forte repressão à prostituição, maneira tradicional de obter dinheiro vivo em pouco tempo.


Tradução de Clara Allain


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