São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

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EUROPA

Sabendo crescer nas crises e sem ocultar ambição presidencial, ministro vira o mais popular dos conservadores franceses

Sarkozy emerge como estrela da direita

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nicolas Sarkozy, 51, é o ministro francês do Interior e o provável candidato presidencial do bloco de centro-direita nas eleições de abril de 2007. Mas é bem mais que isso. Tornou-se o político sobre o qual mais se fala -bem ou mal- na França de hoje em dia.
A oposição de centro-esquerda o acusa de racista e mistificador. O situacionismo vê nele a opção para se manter no palácio presidencial do Elysée e evitar a desagradável "alternância de poder".
Pesquisa Sofrès divulgada este mês diz que 48% dos franceses querem ver Sarkozy nos próximos meses ou anos ocupando funções de responsabilidade. Nesse grupo estão 24% dos eleitores de partidos da esquerda. Ele é de longe o nome mais popular entre os conservadores.
O ministro só perde no "barômetro" daquele instituto para Ségolène Royal, possível candidata socialista à Presidência. Ela ficou com 53%. Tem baixa rejeição.
Sarkozy entrou em evidência nas duas crises sérias que a França enfrentou nos últimos seis meses. De ambas saiu fortalecido.
A primeira foi em outubro do ano passado, quando 9.000 automóveis foram queimados em subúrbios habitados por imigrantes de países muçulmanos. Ele pôs lenha na fogueira ao qualificar os adolescentes envolvidos de "racaille" (escória, canalha). Mas, ao fim da crise, em dezembro -ele prometeu expulsar em massa os delinqüentes, o que não ocorreu-, sua popularidade estava em 68%, segundo o instituto Ifop.
A segunda é mais recente, quando centenas de milhares de estudantes da classe média protestaram em passeatas contra a lei do primeiro emprego. Assessores de Sarkozy pulverizaram pela mídia críticas sutis ao projeto de seu rival, o primeiro-ministro Dominique de Villepin. Pressionado, o governo retirou a lei. Os índices de aprovação de Villepin e do presidente Jacques Chirac foram parar no chão. Mas Sarkozy mantinha seus índices bem elevados.
Ele não é um candidato presidencial enrustido. Afirma abertamente ser esse seu projeto pessoal. Entre ele e Chirac -seu guia espiritual, a quem "apunhalou pelas costas" (a frase é de Bernadette, a poderosa mulher do presidente) em 1995, ao apoiar o rival Edouard Balladur às eleições presidenciais- a relação varia do amor ao ódio.
Para machucá-lo, dá a entender a jornalista do "Le Monde" Béatrice Gurrey, em seu livro "Le rebelle et le roi" (o rebelde e o rei), "Sarkô", como é também chamado, teria insinuado ser o amante de Claude, a filha do presidente.
A segunda mulher do atual ministro do Interior era na época uma das figuras mais vistosas da França, Cécilia Ciganer-Albeniz. Ela fora casada com Jacques Martin, apresentador conhecidíssimo da televisão. Pois eis que há dois anos Cécilia abandona o marido e o troca por um outro. Os inimigos de "Sarkô" usaram o fuxico para atingir sua honra e sua taxa de aprovação. Não funcionou.
Seu perfil é singular entre os políticos conservadores franceses. Não estudou na Escola Nacional de Administração, celeiro das elites. Formou-se em direito e fez apenas um obscuro mestrado.
Sua ascensão foi surpreendentemente rápida. Vereador aos 22 anos do abastado subúrbio parisiense de Neuilly-sur-Seine, foi aos 28 prefeito daquele município, deputado aos 33 e ministro do Orçamento aos 38. Ocupa hoje o ministério do Interior pela segunda vez, depois de ter sido também ministro da Economia.
Nada mal para quem não tem pedigree familiar e não pertence a uma casta política. Filho de judeus -ele foi batizado como católico-, seu pai era castelão na Hungria e emigrou durante a Segunda Guerra. "Sarkô" nasceu no 17º Distrito de Paris, um bairro de classe média alta. Começou a fazer política em 1975, como dirigente da juventude do partido neogaullista. Teve como padrinho Jacques Chirac.
O ministro é um trabalhador compulsivo. Sua hiperatividade gera a impressão de competência e de possuir a capacidade de ter soluções para qualquer problema. Partiu dele o engenhoso enquadramento da comunidade muçulmana francesa. Criou um conselho de mesquitas e o subsidiou com dinheiro do Estado, para impedir a dependência financeira de doadores sauditas, que espalham pela Europa o fundamentalismo da "guerra santa".
Mas ele ao mesmo tempo atropela sem cerimônias a separação de poderes e é advertido com freqüência pelo Sindicato da Magistratura, que na França tem a mesma autoridade moral da OAB brasileira. Foi o caso de pedir a punição de um juiz que dera liberdade provisória a um preso que em seguida matou uma mulher.
O presidente do Partido Socialista, François Hollande, o acusa de gastar dinheiro oficial para fazer política no interior. O "Prêmio Big Brother", para personalidades que ameaçam as liberdades civis, foi dado a ele no ano passado, "pelo conjunto de sua obra".
Sua política de imigração despertou esta semana reações da conferência episcopal francesa. Ele quer atrair árabes e africanos com formação superior. E dificultar o acesso de imigrantes mais pobres e menos qualificados.
A revista "The Economist", bíblia do meio liberal europeu, vê em "Sarkô" uma esperança para "flexibilizar" os direitos trabalhistas e acabar com o medo que a França tem da globalização.
As controvérsias que ele gera podem ser medidas por sua presença involuntária na internet. Seu nome aparece 2,8 milhões de vezes na blogosfera de seus concidadãos, segundo o Google francês. É dez vezes mais que Johnny Hallyday, um cantor muitíssimo popular que já vendeu 100 milhões de discos. Ou 15 vezes mais que a atriz Juliette Binoche.
Entre os franceses já mortos, Sarkozy tem nos blogs presença seis vezes maior que as dos presidentes Charles de Gaulle e François Mitterrand e oito vezes maior que a cantora Edith Piaf.


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