São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

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ÁSIA

Potência asiática aprende a usar armas da diplomacia, da economia e da cultura para aumentar sua influência no mundo

China avança com base no "soft power"

CLAUDIA ANTUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CAMBRIDGE

Enquanto o governo de George W. Bush aprofunda o fosso que separa a conduta internacional dos Estados Unidos da atração pelas idéias e o modelo americano, a China aprende a usar as armas da diplomacia, da economia e do intercâmbio cultural e educativo para ampliar sua influência no mundo, segundo especialistas reunidos na Universidade de Harvard para debater "o crescimento do soft power chinês".
Joseph Nye, professor de relações internacionais que cunhou a expressão "soft power" -a conquista pela persuasão, diferente da coerção do "hard power" militar-, listou uma série de iniciativas que contribuem para a projeção de uma imagem atraente do país asiático. Entre elas, a ênfase da diplomacia chinesa na "ascensão pacífica", a difusão da língua e do cinema chineses, o aumento do número de estudantes estrangeiros em universidades na China e a expansão da Rádio China Internacional, segundo Nye mais escutada no leste da Ásia do que a Voz da América.
Ele ressaltou, entretanto, as diferentes percepções em relação ao que chamou de "consenso de Pequim" -crescimento acelerado sob um regime autoritário-, que pode parecer atrativo para países em desenvolvimento com a economia estancada, mas mina o "soft power" chinês em boa parte da opinião pública ocidental. Para Nye, a longo prazo a China também pode sofrer revezes de imagem por causa das relações econômicas que mantém hoje com países que têm governos ditatoriais e foram enquadrados pelos EUA na categoria de párias, como o Sudão e o Zimbábue.
Em contraste com a idéia da propagação de um paradigma chinês, o professor emérito de Harvard Ezra Vogel sugeriu que o maior trunfo diplomático de Pequim é o seu pragmatismo, que apregoa velhos princípios de não-ingerência e respeito à soberania e não tem a pretensão de convencer parceiros a copiar seu modelo.
"Nós americanos viemos de uma tradição de missionários, amamos nossos ideais e queremos vendê-los, mas as pessoas estão cansadas disso. A China não quer vender uma ideologia", afirmou Vogel, que foi o responsável pela estratégia para o Leste Asiático no Conselho Nacional de Inteligência americano nos dois primeiros anos do governo de Bill Clinton (1993-2000).
A sugestão de que a China possa liderar um bloco de nações em desenvolvimento é outra que não faz muito sentido, disse o professor Anthony Saich, ex-representante da Fundação Ford em Pequim. Para ele, o fato de os chineses terem interesses econômicos nos cinco continentes impede que o país assuma tal liderança.
Os debatedores destacaram, porém, que há uma diferença entre as orientações explícitas da política externa chinesa e as expectativas no exterior e na própria China em relação ao seu papel. Para Vogel, o sistema político fechado, em que uma elite atua mais ou menos isolada de grupos de pressão, seduz outros países da Ásia. Ao mesmo tempo, disse Saich, a liderança chinesa é suscetível a críticas externas e acha difícil conciliar isso com o regime autoritário.
"Os líderes chineses buscam respeito internacional e notam que, para obtê-lo, precisam de um pouco de democracia."
No debate, realizado na véspera da chegada a Washington do presidente chinês Hu Jintao, todos concordaram que a política dos EUA em relação à China passa por uma fase confusa. Depois de definir a China como uma "competidora estratégica", em vez de "parceria estratégica" como defendida por Clinton, o governo de George W. Bush hesita entre tratar o país asiático como rival ou colaborador na economia e no combate ao terrorismo.
"O Pentágono está preocupado com o aumento dos gastos militares chineses e abriga uma parte da extrema-direita que vê a China como inimiga. Bush começou falando em competição e depois se deu conta de que precisava da colaboração da China", disse Vogel.
"No Congresso, cada um fala para um público diferente." Para Vogel o único que tenta montar uma política coerente é o subsecretário de Estado dos EUA, Robert Zoelick, que tem se referido à China como um "stakeholder" do sistema internacional e co-responsável pela sua estabilidade.
Nye, que foi secretário-assistente da Defesa para Assuntos de Segurança Internacional no início dos anos 90, disse que a melhor política em relação à China ainda é a que foi definida no governo Clinton e tem duas mãos, uma dirigida a contrabalançar o poderio militar chinês na Ásia e outra a integrar a China às instituições


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