São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

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DIPLOMACIA

Em entrevista, o presidente americano diz que a aliança militar deve mudar para enfrentar o novo desafio

Otan agora deve visar o terror, diz Bush

PATRICK JARREAU
DO "LE MONDE", EM WASHINGTON

O presidente dos EUA, George W. Bush, chegou ontem à Alemanha, no início de uma viagem de seis dias pela Europa. Anteontem, na Casa Branca, ele concedeu uma entrevista aos jornais "Frankfurter Allgemeine Zeitung" (Alemanha), "La Repubblica" (Itália) e "Le Monde" (França) e ao semanário russo "Argumenti i Fakti". Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Pergunta - Há alguma coisa que não anda bem nas relações entre os EUA e a Europa? Estaria se formando uma divisão psicológica, militar e tecnológica entre as partes?
George W. Bush -
Para começar, há mais fatores que nos unem do que fatores que nos separam. O amor à liberdade é um vínculo potente. Os alemães, os franceses, os russos e os italianos amam a liberdade, como os americanos. Eu também, e muito. Somos unidos por valores comuns: o direito, os Poderes constitucionais, o mercado. Além disso, temos problemas comuns a resolver que são mais importantes do qualquer disputa. O combate ao terrorismo é uma causa comum que forma um vínculo forte entre nós.
Assim, penso que temos uma relação forte e sadia. É claro que surgem desavenças, de vez em quando. Temos desentendimentos na área do comércio, mas é porque o comércio, entre nós, é considerável. É o andamento normal dos negócios, e com certeza não é algo que afete a visão que tenho de nossa aliança.

Pergunta - A Otan está condenada a desaparecer? Se não, qual seria sua finalidade agora?
Bush -
A Otan é mais necessária do que nunca. A natureza da ameaça que enfrentamos coletivamente mudou. Descobrimos que, para vencer a guerra contra os assassinos, precisamos trocar informações, cortar os circuitos financeiros deles, recusar-lhes refúgio e colocá-los para correr. Dar cabo de uma rede terrorista é um esforço coletivo.
A Otan, a aliança que une países que amam a liberdade, precisa mudar de eixo e promover a evolução de suas capacidades, para poder combater as ameaças às quais teremos de responder.
Assim, a Otan é muito necessária hoje, sim. Precisamos trabalhar com ela para garantir que ela faça o melhor uso possível dos meios de que dispõe e que ela defina suas estratégias, de modo que uma aliança ampliada não tenha problemas e possa formar uma frente unida contra a nova ameaça. Considero a Otan como tendo lugar pleno no futuro.

Pergunta - O sr. acha preocupante o desnível entre a capacidade militar dos EUA e a dos europeus?
Bush -
É um problema, mas pode ser superado com o tempo. Nós transformamos nossa defesa, ou, melhor dizendo, tentamos transformá-la. A Otan também precisa mudar, para melhor adaptar-se às verdadeiras ameaças. A Otan deve ajustar seus meios e seu orçamento à nova ameaça.
Isso tomará tempo, mas sou otimista. Os desníveis podem ser reduzidos, especialmente entre amigos. Repito: vou à Europa como amigo, interessado em trabalhar com ela para alcançar nossos objetivos comuns. E a guerra contra o terrorismo exige uma cooperação significativa. Estamos combatendo um grupo de assassinos internacionais que se escondem em cavernas, se disfarçam no meio das sociedades livres, são pacientes e estão decididos a destruir. É por isso que devemos cooperar, compartilhar as informações, seguir as pistas, impedir os assassinos de agir, prendê-los. A Otan permite que isso seja feito.

Pergunta - A Rússia terá direito de opinar nas decisões da Otan?
Bush -
A Rússia não ganhou direito de veto sobre as ações militares. O conselho reconheceu que a Rússia pode ser um parceiro importante para uma Europa pacífica e permite que se trabalhe com ela sobre as medidas de combate à proliferação nuclear e ao terrorismo. A Rússia enfrenta as mesmas ameaças que a Itália, a França, a Alemanha ou os EUA.
Os leitores dos jornais que vocês representam devem saber que seus países enfrentam as mesmas ameaças que os EUA. Pode parecer que isso não acontece, mas posso lhes assegurar que a ameaça é real.

Pergunta - O sr. diria que o Iraque está impedido de agir ou é urgente tomar medidas contra Saddam?
Bush -
Sou um homem paciente. Também sou determinado. "Impedido de agir", ou contido, é um termo que não convém quando se fala de alguém que possui a capacidade de atacar com uma arma de destruição em massa. Isso me preocupa profundamente.
Quando falo nesse assunto, eu me revolto porque conheço a natureza desse regime e a ameaça potencial que surgiria se a organização terrorista que combatemos [a Al Qaeda] chegasse a se aliar a ele. Sei que minhas declarações referentes a esse país provocaram angústia, mas cabe a mim falar com a maior clareza possível, e vou continuar a fazê-lo.

Pergunta - Foi essa ameaça que levou o vice-presidente Richard Cheney a dizer que a retomada das inspeções de armas pela ONU não seria o bastante?
Bush -
Esperamos que o governo iraquiano permita inspeções completas e irrestritas. Queremos saber o que há. Temos um homem que se nega a permitir as inspeções, há anos. Eu me pergunto a razão. Acho que o mundo inteiro deveria lhe fazer essa pergunta.
A cada vez que se fala em inspeções, ele estipula condições e impõe limites. O vice-presidente expressou um certo ceticismo com relação ao próprio regime iraquiano.

Pergunta - As declarações feitas nos últimos dias com relação a ameaças terroristas, especialmente por Cheney, representam um alerta geral ou são fruto de informações precisas sobre um risco iminente?
Bush -
O diretor do FBI especulou com base em informações que indicam que a rede Al Qaeda continua ativa, conspirando, elaborando planos e procurando nos golpear. Ele teceu especulações, dizendo que não ficaria surpreso se fôssemos atacados novamente. O vice-presidente disse a mesma coisa. Se tivéssemos conhecimento de uma ameaça precisa, em momento e local determinado, protegeríamos esse local e usaríamos nossos meios para impedir que a ameaça se concretizasse. Acho que não daríamos muita publicidade a tal ameaça. É claro que as pessoas cujas vidas seriam afetadas seriam informadas diretamente.
Todas as manhãs eu leio anotações e relatórios sobre ameaças. Algumas delas não são dirigidas contra os EUA, mas contra nossos amigos. Estou certo de já ter lido sobre ameaças visando os quatro países de vocês. Antes mesmo de eu tomar conhecimento delas, essas informações são enviadas aos serviços competentes de seus países.
Não quero ser alarmista, mas essas pessoas são implacáveis. Quando digo que a melhor defesa é o ataque, é porque acredito realmente nisso. A única maneira de proteger nossas populações é perseguir essas pessoas até o fim.


Tradução de Clara Allain


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