São Paulo, quarta-feira, 23 de maio de 2007

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Exército atira cegamente, dizem civis encurralados

Refugiados palestinos relatam à Folha as horas de horror vividas no fogo cruzado

Segundo testemunhas, até clínicas foram atingidas pelo Exército do Líbano no campo de Nahr al Bared, que ficou sem luz, água e comida

TARIQ SALEH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BEIRUTE


O terceiro dia consecutivo de combates, nesta terça-feira, foi marcado por horas de pânico dentro do campo de refugiados palestinos de Nahr al Bared, perto de Trípoli (norte do Líbano). Sob fogo dos tanques do Exército libanês e tiros disparados pelos radicais do Fatah al Islam, testemunhas relataram à Folha, por telefone, horas de terror, luta pela sobrevivência e a fuga para escapar da área.
O professor Mahmoud Ahmad Wehby, 25, disse que a artilharia dos militares libaneses disparava cegamente contra o campo. "Os militantes estavam, em sua maioria, nos arredores ou nos campos que cercam Nahr al Bared. Mas os soldados disparavam em tudo", disse ele.
De acordo com Wehby, os disparos dos tanques acertavam residências e prédios usados como refúgio pelos civis. Em uma oportunidade, disse o professor, um projétil acertou duas clínicas usadas para tratar dos feridos.
"Felizmente ninguém se machucou, mas há mortos nas ruas e feridos precisando de assistência médica." Segundo ele, há falta de leite e água para as crianças menores, que são as que mais sofrem com a situação. "Não temos luz nem comida. As pessoas estão sofrendo", contou. Ao fundo, podiam-se ouvir gritos de mulheres e explosões.

Condições precárias
Não há dados precisos de quantas pessoas teriam morrido no campo. Mas os relatos falam em dezenas de feridos e corpos espalhados pelas ruas. O desempregado Adnan Mekawi, 30, disse à Folha, também por telefone, que médicos das clínicas dos campos tratavam feridos graves sem nenhuma condição sanitária.
"Eles estão batendo de porta em porta para pedir até algodão aos moradores, pois estão com falta de material básico", contou Mekawi.
Um médico de um centro hospitalar do campo disse à TV Al Jazeera que o banco de sangue estava vazio. O médico confirmou que as clínicas estiveram sob fogo da artilharia libanesa e que pessoas se aglomeravam em frente aos centros pedindo por ajuda.
De acordo com Mekawi, os médicos fizeram o que podiam, mas a falta de material e o grande número de pessoas dificultava o trabalho. "Muitas pessoas não puderam ser atendidas, somente os casos mais graves", complementou.
Foi preciso uma trégua, não violada pelos dois lados, para que milhares de refugiados iniciassem no final do dia uma fuga do campo para outro, o de Beddawi, localizado dez quilômetros ao sul de Trípoli.
Imagens da rede de TV Al Jazeera mostraram um homem socorrendo mulheres e crianças refugiadas numa casa e tiros vindos em sua direção. De acordo com o canal árabe, o homem tentou salvar uma mulher mas teve que fugir para não ser pego no fogo cruzado.
Moradores do campo também usaram bandeiras brancas na janelas para mostrar que não estavam armadas. "As pessoas fugiram com o que podiam, aproveitaram a trégua para escapar", contou um refugiado.
Já na capital, Beirute, o clima continuava de muito medo. Ruas estavam desertas e vários estabelecimentos fecharam mais cedo. O Exército e a polícia montaram barreiras à noite para revistar veículos à procura de bombas. O governo teme novos atentados como os de domingo e segunda, em que um bairro cristão e outro sunita foram alvos de explosões.
Pessoas carregando mochilas ou grandes volumes eram paradas nas ruas e revistadas. O motorista de táxi Nadib Haddad, 46, lamentava. "Estou dirigindo há várias horas e há muito tempo não tinha um dia tão ruim como esse". Irritado, ele sentenciou: "A Síria quer voltar e fará de tudo para tomarem o Líbano de novo".
Em outro ponto da cidade, segundo a emissora de TV libanesa LBC, alguns jovens gritavam palavras de repúdio aos palestinos. Também ocorreram discussões nos arredores de Sabra e Chatila entre libaneses e palestinos.


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