São Paulo, domingo, 23 de maio de 2010

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Repressão cala oposicionistas em Teerã

Capital iraniana vive sob tensão às vésperas do primeiro aniversário da reeleição de Mahmoud Ahmadinejad

Cerco do governo jogou "movimento verde" na clandestinidade, mas insatisfação ameaça ressurgir com força

Ahmed Jadallah - 9.jun.09/Reuters
Simpatizante do candidato oposicionista Mir Hossein Mousavi em comício anterior à eleição presidencial; verde depois virou símbolo de protestos

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

O verde sumiu das ruas de Teerã.
Sim, a capital iraniana continua arborizada, e os parques ainda servem de refúgio a casais que buscam um namoro discreto em meio à repressão religiosa -ou simplesmente aos que querem ares menos poluídos do que no resto da megalópole de 14 milhões de pessoas.
Mas o verde das bandeiras e faixas de protesto, que simboliza o movimento de oposição ao governo e inundou a capital em 2009, este está ausente das ruas e avenidas.
Sob repressão e vigilância constantes e sem uma liderança autenticamente popular, a oposição perdeu a voz.
Mas, mesmo recolhido aos apartamentos da classe média, às salas de aula das universidades e à internet, o movimento verde mantém-se vivo na semiclandestinidade e agora trama em voz baixa o seu próximo passo.
A menos de um mês de completar-se um ano da reeleição do presidente conservador Mahmoud Ahmadinejad, marcada por suspeitas de fraude e violência, paira uma tensa expectativa sobre o que virá no aniversário.
A maioria aposta que o medo prevalecerá, mantendo o "movimento verde" confinado entre quatro paredes.
Alguns torcem para que se repita a explosão popular detonada em junho de 2009.
Na semana passada, ao longo da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Teerã, a Folha percebeu entre ativistas, intelectuais e cidadãos comuns o temor de que uma onda de repressão com o objetivo de impedir protestos pelo aniversário das eleições esteja prestes a ganhar intensidade.
A execução por enforcamento de cinco dissidentes curdos e a condenação à revelia de um jornalista iraniano-canadense a 74 chibatadas e 13 anos de prisão reforçou o receio.
Um líder estudantil que já foi preso duas vezes contou à Folha que desde a execução de sua mãe não consegue dormir, com medo de que o mesmo aconteça com ele.
Por medo de retaliações, ele prefere que sua identidade seja mantida em sigilo -o mesmo pedido foi feito por todos os entrevistados ouvidos pela reportagem.

CENSURA
Após a eleição de 2009, o regime iraniano apertou o cerco aos dissidentes, controlando conversas e mensagens telefônicas e e-mails.
Ferramentas de comunicação usadas intensamente pela oposição na época dos protestos, como Facebook e Skype, estão bloqueadas.
O mesmo ocorre com muitos sites de notícias ocidentais, como BBC e CNN.
A censura, contudo, é driblada sem grandes problemas, por programas que podem ser baixados facilmente.
"Sabemos o que acontece no mundo graças ao serviço em farsi da BBC", diz outro estudante, que também já foi interrogado pela polícia.
Quem chega a Teerã esperando barricadas de oposicionistas diante de tropas de choque da polícia se surpreende com a aparente normalidade.
No bazar, multidões entopem as vielas estreitas em busca de suprimentos, na véspera do feriado que marca a morte de Fátima, filha do profeta Maomé.
Na rua Valiasr, principal artéria da cidade e que no ano passado foi cenário de gigantescos protestos contidos com munição de verdade, a turbulência agora se restringe ao trânsito caótico.
Nos quase 20 km da rua que corta Teerã, do empobrecido sul ao burguês norte, há dezenas de painéis com imagens dos aiatolás Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica, e Ali Khamenei, atual líder supremo.
Mas nem um único vestígio da contrarrevolução verde surgida no ano passado.
Entretanto, não é preciso muito esforço para captar os sinais de insatisfação. Num restaurante na parte rica da cidade, a reportagem da Folha foi abordada por dois homens de meia-idade, que em poucos minutos estavam criticando Ahmadinejad.
Apesar do medo, a necessidade de expressão é evidente. "Vivemos tempos obscuros", diz um deles, treinador de luta greco-romana.
"A religião é só um pretexto para tirar as liberdades políticas", acrescenta.
O ex-premiê Mir Hossein Mousavi, apontado por seus partidários como verdadeiro vencedor da eleição de 2009, usa a internet para convocar uma demonstração pacífica para o dia 12 de junho, primeiro aniversário do pleito.
Se será atendido ou não, permanece uma grande interrogação.


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