|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CIA revelará parte de atividades ilegais
Material conhecido como "jóias da família" registra envolvimento da agência em tentativas de assassinatos de líderes
Fidel, Lumumba, Trujillo e general chileno estão na lista, que inclui experiências com civis, vigilância de jornalistas e escutas ilegais
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
A CIA tornará pública na semana que vem parte de documentos que comprovam atividades ilegais exercidas pela
agência de inteligência norte-americana nos anos 50, 60 e 70.
Entre elas, estão o planejamento ou tentativa de assassinatos
de líderes como o ditador cubano Fidel Castro, monitoramento, vigilância, abertura de correspondência e/ou escuta ilegal
de cidadãos norte-americanos,
como a atriz e ativista Jane
Fonda, e experimentos não-voluntários com drogas em civis.
O anúncio foi feito anteontem pelo atual diretor da agência, Michael Hayden, e é resultado de décadas de pressão de
entidades de direitos civis, pesquisadores, acadêmicos e jornalistas. São 693 páginas de
material previamente sigiloso,
conhecido internamente como
"jóias da família", e 11 mil páginas de registros de operações
de inteligência ligadas à ex-União Soviética e à China e a relação entre os dois países.
Ontem, o National Security
Archive, ligado à Universidade
George Washington, na capital
norte-americana, antecipou-se
à agência e colocou parte dos
documentos no ar.
"Esqueletos"
O que mais chama a atenção
é uma lista de "esqueletos" relatada em 1975 pelo então diretor da CIA, William Colby, ao
então presidente Gerald Ford,
motivada por um texto do repórter Seymour Hersh no jornal "The New York Times".
Ford temia que a revelação
das atividades ilegais da agência pudesse fazer com que ele
tivesse o mesmo destino de seu
antecessor, Richard Nixon, que
renunciara no ano anterior.
Entre os "esqueletos", está a
participação em tentativas de
assassinato de Fidel, com o envolvimento "direto" de Robert
Kennedy, enquanto ele era secretário de Justiça, segundo relato também tornado público
de Henry Kissinger, então secretário de Estado dos EUA.
Mas não só: de acordo com
relato de seu diretor à época, a
agência planejou o assassinato
de "alguns líderes estrangeiros", entre eles o africano anticolonialista e breve premiê do
Congo Patrice Lumumba
(1925-1961) e o ditador Rafael
Trujillo (1891-1961), da República Dominicana -mas não teve "nada a ver" com o assassinato do primeiro, que acabaria
efetivamente ocorrendo, e
"apenas uma tênue conexão"
com os assassinos do segundo.
Participou também do plano
de assassinar o general e comandante chefe do Exército
chileno René Schneider, morto
em 1970 por um grupo de extremistas de direita que, com a
ação, pretendiam impedir a
posse do socialista Salvador
Allende (1908-73). O diretor da
CIA falou com o presidente no
dia 3 de janeiro de 1975.
No dia seguinte, também em
encontro com Ford, transcrições mostram a preocupação
de Kissinger com depoimentos
no Congresso sobre investigações de atividades golpistas no
Chile da companhia telefônica
norte-americana ITT durante
o governo Allende. "Isso [os depoimentos] é só a ponta do iceberg", disse ele a Ford.
Colby também se referiu ao
problema chileno no encontro
anterior. "Há ainda um outro
problema que pode causar muita confusão: depois da investigação ITT-Chile pelo Congresso, houve acusações de que
nossos testemunhos não foram
muito "kosher" [termo para comidas preparadas segundo a
religião judaica usado nos EUA
como gíria para "honesto"]".
O diretor segue: "Não creio
que tenha havido atividade criminosa, mas houve um certo
"andar na corda bamba". Há
uma velha regra segundo a
qual, para proteger fontes e informações, você pode distorcer
um pouco as coisas", conclui.
Além de monitoramento ilegal de jornalistas críticos ao governo, infiltração em grupos de
ativistas, abertura de correspondência de cidadãos norte-americanos de e para a ex-União Soviética e a China, há
testes bancados pela agência
com cidadãos norte-americanos "não-voluntários", "incluindo reação a certas drogas".
Ao anunciar a liberação dos
arquivos anteontem, Hayden,
da CIA resumiria seu conteúdo
com a frase: "A maioria é desabonadora, mas faz parte da história da CIA". Para o diretor do
National Security Archive,
Thomas Blanton, é um começo.
Texto Anterior: EUA: Senado mantém verba para treinar sul-americanos Próximo Texto: Peru: Sexo consentido com menor deixa de ser crime Índice
|