São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

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CASO AMIA

Ex-presidente teria recebido US$ 10 mi para ocultar papel de Teerã em ataque a entidade judaica em Buenos Aires

Irã fez atentado e pagou Menem, diz desertor

France Presse - 18.jul.94
Equipes de resgate buscam sobreviventes nos escombros do prédio da Amia, em Buenos Aires, horas após o atentado a bomba, em 1994


LARRY ROHTER
DO "THE NEW YORK TIMES", EM BUENOS AIRES

O governo do Irã organizou e executou o atentado a um centro comunitário judaico em Buenos Aires que matou 85 pessoas há oito anos. E, segundo testemunha no julgamento do caso, Teerã pagou US$ 10 milhões ao então presidente da Argentina, Carlos Menem, para que encobrisse o crime.
A transcrição de um depoimento secreto entregue ao "The New York Times" reforça suspeitas de longa data de envolvimento iraniano e de irregularidades na apuração do ocorrido. De acordo com a testemunha -um desertor de alto escalão da agência de inteligência do Irã que diz se chamar Abdolghassem Mesbahi-, Menem, presidente entre 1989 e 1999, se beneficiou de laços com autoridades iranianas por muitos anos.
Menem, que é novamente um dos principais candidatos a presidente da Argentina, já teve sua imagem tingida por escândalos de corrupção. Passou seis meses em prisão domiciliar no ano passado, acusado de articular operação ilegal de venda de armas.
A explosão da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 18 de julho de 1994, pior ataque terrorista já realizado no país, continua a assombrar a ele e ao governo argentino como o símbolo da ausência de responsabilidade que, nos meses recentes, levou o país à beira do colapso.
Autoridades em Teerã negam envolvimento no atentado. "Essas observações não-documentadas são feitas por círculos sionistas, após terem falhado em identificar os verdadeiros elementos por trás do atentado", disse porta-voz da chancelaria iraniana. O governo dos EUA também diz que "não há prova clara" de que foi o Irã quem organizou o ato terrorista.
Mesbahi se encontrou com investigadores argentinos na Alemanha, em 1998, e no México, em 2000. Autoridades argentinas não sabem onde ele se encontra agora, mas sustentam que continua sob proteção alemã. Dizem não saber também se o nome que forneceu é o seu nome verdadeiro.
Funcionário argentinos e alemães o descrevem como um integrante do alto escalão da inteligência iraniana, que forneceu informação valiosa sobre operações terroristas iranianas na Europa e na Ásia ao longo dos anos 90. Ele fugiu para a Alemanha em 1996, porque estaria revoltado com o envolvimento de sua agência no assassinato de intelectuais iranianos no Irã e no exterior.
Mesbahi disse que os planos para o ataque à Amia começaram em 1992, liderados por Mohsen Rabbani, adido cultural da Embaixada do Irã, e supervisionados por Hamid Naghashan, da agência de inteligência iraniana. Uma célula se dedicou a "cooperar com membros da polícia argentina, corrompendo-os e os intimidando a colaborar no ataque", Mesbahi disse. "Outra se dedicou a obter os explosivos no Brasil."
Nilda Garré, que chefiou a unidade antiterrorista argentina entre 2000 e 2001, disse que o relato de Mesbahi foi confirmado por outro iraniano que visitou a embaixada de seu país na Argentina duas vezes. Registros do departamento de Imigração e da chancelaria em Buenos Aires confirmam que muitos dos iranianos acusados visitaram a Argentina nos meses que antecederam o ataque.
Mesbahi disse que, após o ataque, negociações foram feitas em Teerã por meio de um emissário, um homem barbado de cerca de 50 anos, enviado por Menem. Então, "US$ 10 milhões foram depositados numa conta que Menem havia indicado", declarou Mesbahi, pagos a partir de uma conta na Suíça controlada por Hashemi Rafsanjani, presidente do Irã no período, e por um filho do aiatolá Ruhollah Khomeini [líder da revolução iraniana de 1979].
Em troca dessa quantia, disse Mesbahi, Menem concordou em "declarar que não havia provas de que o Irã era o responsável". O governo Menem inicialmente culpava o Irã, mas suas declarações posteriores, argumentando que não havia provas suficientes, criaram incerteza sobre quem esteve por trás da ação.
O governo suíço confirmou este ano que foi requisitado a averiguar a informação fornecida pelo informante iraniano. Eamon Mullen, mais alto promotor do governo argentino no caso, disse que investigadores comprovaram a existência de um depósito numa conta controlada por Menem no banco citado por Mesbahi e da mesma quantia especificada. "Mas não se sabe quem fez o depósito nem em que data", disse.
No depoimento, Mesbahi contou que os contatos do Irã com Menem começaram nos anos 80, quando era governador da Província de La Rioja. Como ele tinha origem árabe e, acreditavam, possuía sentimentos antijudaicos, os iranianos enviavam dinheiro de forma camuflada a Menem na esperança de vê-lo na Presidência, adotando políticas pró-Irã.
Após mais de sete anos de atrasos, um julgamento sobre a Amia finalmente começou em setembro passado. Mas dos cerca de 20 acusados, nenhum é suspeito de estar diretamente envolvido no ataque. Alguns réus como Alberto Telleldín, último proprietário da van usada no bombardeio, disseram ser alvo de "pressões vindas diretamente da Casa Rosada [sede da Presidência argentina]".
Segundo Telleldín, Menem enviou um emissário a ele em 1995, oferecendo US$ 2 milhões para que culpasse imigrantes libaneses presos no Paraguai por sua conexão com o ataque. "Menem estava em campanha para a reeleição e queria fechar o círculo", disse.
Enquanto o julgamento e a investigação se arrastam, sobreviventes e parentes de vítimas continuam a se reunir às segundas de manhã em frente a uma corte de Buenos Aires. Após um minuto de silêncio, discursos são feitos. Os manifestantes, com faixas e fotos, cantam: "Queremos justiça!".



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