São Paulo, quinta-feira, 23 de julho de 2009

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Otan fomenta paranoia na Rússia, diz especialista

Para David Glantz, ações recentes da aliança militar ocidental são insensatas

Em visita a SP, historiador americano diz que escudo antimísseis e admissão de novos países "jogam no lixo" esforço de aproximação


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não cutucar o urso russo com vara curta deveria ser a opção mais sensata para o Ocidente e sua aliança militar, a Otan. Gestos, como permitir a entrada na aliança de países como a Ucrânia ou a Geórgia, ou insistir em um escudo antimísseis sem cooperação russa, "servem apenas para acender a paranoia da Rússia, justificada pelas perdas que tiveram na Segunda Guerra".
É o que diz o coronel reformado e historiador americano David Glantz, ex-oficial de artilharia e inteligência militar que é um dos principais especialistas mundiais na história militar da antiga União Soviética e da atual Rússia. "Custou muito tempo para convencermos os soviéticos de que a Otan era uma aliança defensiva, e agora jogaram tudo isso no lixo", disse Glantz à Folha.
Glantz está em São Paulo para o lançamento, marcado para hoje, do seu livro "Confronto de Titãs - Como o Exército Vermelho Derrotou Hitler", em parceria com Jonathan House.
Glantz foi um pioneiro militar e acadêmico a abrir contatos entre os seus colegas russos mal terminou a Guerra Fria, "criando pontes" com o antigo inimigo. Mesmo durante a Guerra Fria, seus colegas do outro lado da Cortina de Ferro reconheciam sua "objetividade burguesa" como historiador.
Ele foi oficial de artilharia na Guerra do Vietnã, nos anos 1960, e tornou-se fluente em russo e um misto de historiador e oficial de inteligência especializado no Exército soviético. Quando baseado em Fort Leavenworth, de 1979 a 1983, virou diretor do Instituto de Estudos de Combate, cuja função é pesquisar as táticas e a arte operacional dos exércitos.
Também fez estimativas sobre as forças soviéticas na Europa que se contrapunham à Otan. "Recebíamos caixas de inteligência eletrônica, de imagens de satélites. Ia tudo para o lixo", diz o oficial. As imagens não informavam nada se não houvesse como interpretá-las.
A falha em ter bons analistas, e também em ter boa inteligência "humana", de campo -ou seja, espiões-, tornava muito do material coletado inútil para informar a exata dimensão da ameaça soviética -algo que se repetiria depois em relação aos fundamentalistas islâmicos no Oriente Médio.
Glantz também ajudou a fundar o Instituto de Estudos Militares Soviéticos, depois rebatizado de Instituto de Estudos Militares Estrangeiros. Um de seus colaboradores, Lester Grau, fez um importante trabalho sobre a atuação soviética no Afeganistão, de 1979 a 1989, inclusive com a percepção russa dos motivos da derrota.
Com o fim da Guerra Fria, esse tipo de estudo passou a ter menos interesse. "Riram dele durante 11 anos, até 11 de setembro de 2001", diz Glantz.
Glantz estudou em detalhes o combate na frente leste na Segunda Guerra e procura corrigir equívocos da historiografia ocidental, pautada durante a Guerra Fria muito mais pelos alemães derrotados do que pelos ex-aliados soviéticos.
Para Glantz, os alemães tinham um Exército brilhante na tática (o modo de combater), mas péssimo na arte operacional e na estratégia -a conduta das campanhas e a definição dos objetivos da guerra. Em definição ainda válida, ele afirma, "os alemães, como muitos Exércitos ocidentais, jogavam damas. Os russos jogavam xadrez, pensando a longo prazo".


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