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Otan fomenta paranoia na Rússia, diz especialista
Para David Glantz, ações recentes da aliança militar ocidental são insensatas
Em visita a SP, historiador americano diz que escudo antimísseis e admissão de novos países "jogam no lixo" esforço de aproximação
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não cutucar o urso russo
com vara curta deveria ser a opção mais sensata para o Ocidente e sua aliança militar, a
Otan. Gestos, como permitir a
entrada na aliança de países como a Ucrânia ou a Geórgia, ou
insistir em um escudo antimísseis sem cooperação russa,
"servem apenas para acender a
paranoia da Rússia, justificada
pelas perdas que tiveram na Segunda Guerra".
É o que diz o coronel reformado e historiador americano
David Glantz, ex-oficial de artilharia e inteligência militar que
é um dos principais especialistas mundiais na história militar
da antiga União Soviética e da
atual Rússia. "Custou muito
tempo para convencermos os
soviéticos de que a Otan era
uma aliança defensiva, e agora
jogaram tudo isso no lixo", disse Glantz à Folha.
Glantz está em São Paulo para o lançamento, marcado para
hoje, do seu livro "Confronto
de Titãs - Como o Exército Vermelho Derrotou Hitler", em
parceria com Jonathan House.
Glantz foi um pioneiro militar e acadêmico a abrir contatos entre os seus colegas russos
mal terminou a Guerra Fria,
"criando pontes" com o antigo
inimigo. Mesmo durante a
Guerra Fria, seus colegas do
outro lado da Cortina de Ferro
reconheciam sua "objetividade
burguesa" como historiador.
Ele foi oficial de artilharia na
Guerra do Vietnã, nos anos
1960, e tornou-se fluente em
russo e um misto de historiador e oficial de inteligência especializado no Exército soviético. Quando baseado em Fort
Leavenworth, de 1979 a 1983,
virou diretor do Instituto de
Estudos de Combate, cuja função é pesquisar as táticas e a arte operacional dos exércitos.
Também fez estimativas sobre as forças soviéticas na Europa que se contrapunham à
Otan. "Recebíamos caixas de
inteligência eletrônica, de imagens de satélites. Ia tudo para o
lixo", diz o oficial. As imagens
não informavam nada se não
houvesse como interpretá-las.
A falha em ter bons analistas,
e também em ter boa inteligência "humana", de campo -ou
seja, espiões-, tornava muito
do material coletado inútil para informar a exata dimensão
da ameaça soviética -algo que
se repetiria depois em relação
aos fundamentalistas islâmicos
no Oriente Médio.
Glantz também ajudou a
fundar o Instituto de Estudos
Militares Soviéticos, depois rebatizado de Instituto de Estudos Militares Estrangeiros. Um
de seus colaboradores, Lester
Grau, fez um importante trabalho sobre a atuação soviética no
Afeganistão, de 1979 a 1989, inclusive com a percepção russa
dos motivos da derrota.
Com o fim da Guerra Fria,
esse tipo de estudo passou a ter
menos interesse. "Riram dele
durante 11 anos, até 11 de setembro de 2001", diz Glantz.
Glantz estudou em detalhes
o combate na frente leste na
Segunda Guerra e procura corrigir equívocos da historiografia ocidental, pautada durante
a Guerra Fria muito mais pelos
alemães derrotados do que pelos ex-aliados soviéticos.
Para Glantz, os alemães tinham um Exército brilhante
na tática (o modo de combater), mas péssimo na arte operacional e na estratégia -a conduta das campanhas e a definição dos objetivos da guerra. Em definição ainda válida, ele afirma, "os alemães, como muitos
Exércitos ocidentais, jogavam
damas. Os russos jogavam xadrez, pensando a longo prazo".
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