São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2008

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Correa telefona a Lula para amenizar crise

Ligação, que Planalto avaliou como pouco produtiva, segue decisão brasileira de convocar para consulta embaixador em Quito

Presidente do Equador diz lamentar ação diplomática, tomada em retaliação à sua decisão de recorrer para não pagar dívida com BNDES


LETÍCIA SANDER
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

O presidente do Equador, Rafael Correa, telefonou na manhã de ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na tentativa de evitar desgaste ainda maior na relação entre os dois países, aprofundado com a decisão de Quito de recorrer a uma corte internacional para suspender o pagamento de uma dívida de US$ 243 milhões com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A conversa, segundo avaliação de integrantes do governo brasileiro, não foi produtiva. Lula demonstrou "profunda insatisfação" com a forma e o conteúdo da atitude de Correa e avisou que ouvirá o embaixador Antonino Marques Porto, chefe do corpo diplomático do Brasil em Quito, e o próprio BNDES antes de tomar uma decisão sobre o contencioso. Disse ainda que sua resposta será comunicada pelas vias diplomáticas.
Correa, de acordo com assessores de Lula, afirmou no telefonema "lamentar profundamente" o fato de que suas ações e declarações possam ter trazido "ruído" ou "desentendimento" nas relações entre os dois países. O equatoriano não pediu desculpas, nem sinalizou recuo, mas terminou a conversa com elogios a Lula. Disse que o brasileiro é uma referência para a geração dele, e que tem admiração pelo petista.
O gesto não convenceu Lula. De acordo com assessores, o brasileiro deixou claro no telefonema que a conversa não colocava fim à crise. Lula ficou especialmente irritado com a forma com que Correa anunciou o recurso à corte internacional, num evento público, sem prévia consulta nem notificação ao governo brasileiro, apesar de recentemente os dois dirigentes terem se encontrado.
Interlocutores de Lula disseram que a conversa não foi tensa nem antipática, mas não houve avanço. Desde sexta Correa tentava o contato, mas o telefonema só ocorreu às 10h.

Incompreensível
Pouco depois da conversa, Correa classificou a retirada do embaixador "incompreensível" e "lamentável", já que o recurso à arbitragem internacional está previsto no contrato e, portanto, deveria ser considerado uma questão comercial.
"Se querem converter um problema comercial e financeiro num incidente diplomático, isso é responsabilidade exclusiva do Brasil. Sempre teremos os braços abertos para o embaixador do Brasil, para o povo do Brasil e para o querido presidente Lula da Silva", disse, em seu programa semanal via rádio, TV e internet.
O equatoriano disse que o problema começou com a Odebrecht, "que, quanto mais cavamos, mais cheira mal. E também tem a ver com o financiamento para esse crédito."
"O que fez Equador? (...) Pela primeira vez, não é uma empresa privada que recorre à arbitragem, mas nós recorremos à arbitragem contra a empresa e a financiadora, que é o BNDES. Como diz o contrato."
Sobre o telefonema, Correa relatou ter dito ao colega brasileiro que "respeitamos, mas não concordamos [com a decisão]". "Não desistiremos de seguir defendendo os interesses do país, custe o que custar."
Anteontem, o governo brasileiro anunciou a convocação para consultas do embaixador do Brasil em Quito, medida considerada hostil na diplomacia. O chanceler Celso Amorim deixou claro que o gesto representava um protesto do Brasil pela decisão unilateral de Correa de ir à Corte Internacional de Arbitragem de Paris para suspensão do pagamento da dívida com o BNDES.
O empréstimo foi concedido pelo banco para a construção da hidrelétrica San Francisco, obra da brasileira Odebrecht contratada pelo governo equatoriano e paralisada no primeiro ano de operação devido a problemas estruturais. Irritado com o impasse nas negociações sobre a responsabilidade dos problemas na usina, Correa rescindiu os quatro contratos da empresa em execução no país, alegando irregularidades.
Anteontem, Amorim sinalizou que todos os acordos de cooperação bilateral poderão ser afetados, como retaliação.


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