São Paulo, terça-feira, 23 de novembro de 2010

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Haiti encara surto com medo e resignação

Na capital, Porto Príncipe, desabrigados pelo terremoto de janeiro se amontoam em ambientes sem higiene

Em meio à epidemia de cólera, país vai às urnas no domingo, para escolher presidente, senadores e deputados

Emilio Morenatti/Associated Press
Menino com os sintomas da cólera descansa em complexo esportivo em Cap Haitian

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE (HAITI)

Watson Petithomme, 21, diz que há duas semanas seu amigo James, companheiro da barraca ao lado da dele num acampamento de desabrigados no centro de Porto Príncipe, morreu de cólera.
"A doença é muito rápida. Um dia vomita, no outro está morrendo."
Sim, ele diz que tem medo da doença, mas também dá de ombros quando questionado de onde vem a água que consome todos os dias. "Quando o governo distribui água, é a que temos."
A mesma mescla de temor do cólera e resignação exibe Mackenzy Joseph, 22, a uns 200 metros dali, em outro trecho da praça Dessalines, tomada pelos desabrigados desde o terremoto de janeiro, quando morreram cerca de 250 mil pessoas, segundo as estimativas mais aceitas.
"O que podemos fazer? É aqui que vivemos. Não temos para onde ir", reclama.
Ao lado dele, sua mulher amamenta o filho do casal, Chris Smily, de apenas cinco dias de vida.
A julgar pelo exemplos, os haitianos estão até informados sobre os riscos da cólera e de como fazer para preveni-la. Ao que parece, porém, não é realista esperar que eles consigam seguir as recomendações.
Na situação de Joseph e Petithomme há estimado 1,5 milhão de haitianos, a grande maioria na capital, Porto Príncipe.
Amontoados em acampamentos, com escassos banheiros químicos e nada de água corrente -os itens mais básicos de higiene que impedem a propagação da cólera.

OTIMISMO MODERADO
Por isso, a possibilidade que o surto ganhe força na capital é a principal preocupação dos epidemiologistas.
Segundo o balanço divulgado ontem, 1.344 haitianos não resistiram à doença desde o começo do surto, em outubro. Na capital, o número de mortos passou de 67 a 77.
No país inteiro, se reportam 23.777 hospitalizações, num número considerado subestimado já que há áreas rurais remotas sem comunicação com a contabilidade nacional.
Ontem, porém, o enfermeiro Renato Souza, porta-voz da ONG Médico Sem Fronteiras num hospital em Cité Soleil, a maior favela da capital, lançou uma nota de otimismo moderado.
"Há uma semana o número de casos de cólera que chega é bastante estável. Antes eram 200 por dia. Mas essa manhã tivemos 77."
Em meio à população menos vulnerável, há temor de que o governo não saiba enfrentar o surto de cólera, mas não medo de contraí-la.
O estudante de contabilidade Ermilus Rodney, 22, conta que apenas deixou de comer na rua.
É nesse ambiente que o país vai às urnas para eleger seu presidente, no domingo.


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