São Paulo, terça-feira, 24 de janeiro de 2006

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AMÉRICA LATINA

Novo titular dos Hidrocarbonetos, responsável pelos contratos de gás, acusou Lula de traição em outubro

Equipe de Morales tem crítico da Petrobras

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

O novo ministro de Hidrocarbonetos (gás e petróleo) da Bolívia, Andres Soliz Rada, acusou recentemente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de traição por não cumprir promessas com seu país. O ministro de Mineração, o sindicalista Walter Villarroel, fez o juramento usando um lustroso capacete. Já o chanceler, o ativista indígeno-socialista David Choquehuanca, discursou falando ora em aimara, ora em espanhol.
Esses são alguns dos membros do gabinete empossado ontem de manhã, no primeiro dia de trabalho do novo presidente boliviano, o socialista Evo Morales.
"Acabaram as festas, acabou a lua-de-mel. Agora é trabalho", disse Morales aos ministros, em cerimônia no saguão principal do Palácio Quemado, sede do governo. "Quero pedir-lhes zero de corrupção, quero perdir-lhes zero de burocracia. Temos a tarefa de dignificar a política."
Morales quebrou mais uma vez o protocolo ao pedir que, durante o juramento, "cada um faça o sinal de acordo a seu pensamento religioso ou o seu sentimento cultural e ideológico". Ninguém fez o sinal da cruz, contrariando a tradição -o catolicismo é a religião oficial da Bolívia.
Composto por 12 homens e quatro mulheres, o gabinete reúne sobretudo sindicalistas, líderes de movimentos sociais, intelectuais e militantes do MAS (Movimento ao Socialismo), o partido de Morales. Conforme a sua promessa de campanha, nenhum parlamentar integra o ministério.
"O gabinete tem consistência das propostas apresentadas. É um grupo muito bem sintonizado com a proposta ideológica do MAS", disse à Folha o economista Gonzalo Chávez, da Universidade Católica Boliviana, em La Paz. "Mas a pergunta é se eles têm todos os recursos de gestão pública para implementar as políticas."
Para o novo ministro da Presidência, o sociólogo e professor universitário Juan Ramon Quintana, a crítica sobre a falta de experiência é preconceituosa.
"Pela primeira vez, depois de muitíssimos anos, teremos um gabinete que reflete a sociedade", disse Quintana, 44, à Folha, no Palácio Quemado. A sua pasta tem a difícil tarefa de fazer a interlocução com o Congresso.
"É compreensível a falta de experiência de alguns ministros na função pública. Mas essa crítica é apenas um preconceito."

Oposição ao gasoduto
Para o importante ministério dos Hidrocarbonetos, que conduzirá as negociações com as empresas petroleiras, foi nomeado o jornalista e ex-parlamentar Andres Soliz Rada. De posições radicais, até recentemente Soliz Rada foi um crítico feroz dos acordos de gás entre Brasil e Bolívia.
No artigo "Hurra! Mais gás ao Brasil", publicado em 28 de outubro passado, Soliz Rada faz duras críticas aos acordos de compra de gás da Petrobras. Nele, acusou o presidente Lula de traição por não cumprir a promessa de construir termelétricas na Bolívia -feita, segundo ele, em 1997, no governo Fernando Henrique.
Soliz Rada também acusou a Petrobras de ser responsável pelo desmantelamento da estatal boliviana de petróleo, YPFB: "Há dez anos, a YPFB tinha o monopólio das reservas e dos dutos, equipes de exploração, exportação, refinamento e comercialização", afirma, no site "Bolpress". "Hoje, a YPFB é uma entidade residual. Por outro lado, a também estatal Petrobras tem, em território boliviano, grande parte das reservas e dos dutos, as refinarias, equipes de exploração e o controle do mercado."
De forma análoga, Morales nomeou o líder sindicalista Abel Mamani para o recém-criado Ministério da Água. Mamani ganhou projeção nacional ao liderar um movimento que exigiu a expulsão da empresa de capital francês Aguas del Illimani, há cerca de um ano, por se recusar a atender parte da cidade.
Buscando agradar a Santa Cruz, principal pólo econômico do país, Morales nomeou dois ministros da região. Um deles é o empresário Salvador Ric, ministro de Serviços e Obras Públicas.

Elogio
Assim como fez no final de semana, quando esteve na Bolívia para a posse de Morales, o presidente Lula elogiou o socialista indígena e afirmou ontem que a América Latina "está dando demonstração de avanço", porque "pessoas progressistas" estão sendo eleitas em todos os países.


Colaborou a Sucursal de Brasília

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