|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Andes separam estabilidade da turbulência
Vinte anos após fim da ditadura, Chile é modelo de democracia consolidada enquanto Argentina vive de crise em crise
Especialistas ouvidos pela Folha dizem que território e população menores e economia menos complexa facilitam a gestão do Chile
Eric Thayer -24.set.08/Reuters
|
|
As presidentes da Argentina, Cristina Kirchner (à esq.), e do Chile, Michelle Bachelet, conversam
THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL
Chile e Argentina ofereceram retratos distintos ao mundo nos últimos dias. Do lado
chileno, uma mostra de maturidade democrática na eleição
do empresário de centro-direita Sebastián Piñera -pleito
tranquilo que marcou o fim de
20 anos de governos de centro-esquerda no país sem questionar ganhos e rumos das políticas básicas.
Na Argentina, uma crise política e institucional desatada
durante a implementação, pelo
governo da esquerdista Cristina Kirchner, de um fundo fiscal
com reservas do Banco Central
para pagar parte da dívida externa que vence em 2010. O
presidente do BC se opôs à medida, e sua demissão -suspensa pela Justiça- é agora discutida, a contragosto do governo,
no Legislativo e no Judiciário.
Imagens em contraste também na economia. Enquanto o
fundo argentino é parte do esforço do país para voltar ao
mercado internacional de crédito, do qual está afastado desde a moratória de 2001, o Chile,
signatário de 21 acordos comerciais com 56 países, celebra
seu ingresso à OCDE, o clube
dos países ricos, assumindo regras de convergência com o
mundo desenvolvido.
Para além de erros e acertos
de governo e oposição, os fatos
suscitam outro debate: por que
o Chile caminha sólido e a Argentina aos soluços? Passados
20 anos ou mais do fim das ditaduras nesses países, o Chile
deu certo e a Argentina não?
Historiadores, economistas e
analistas políticos dos dois países consultados pela Folha dizem que tal afirmação é simplista se não considerar as singularidades de cada país. São
esses atributos, afirmam, analisados à luz da história de cada
um, que ajudam a entender as diferenças de rumo.
A começar da própria organização política: menor e menos
populoso, com administração
centralizada na capital, o Chile
é um país mais fácil de governar. Já o vizinho, com 23 Províncias, vive o "pior do federalismo", diz o historiador argentino Luis Alberto Romero.
"Províncias sem capacidade
para se governar com autonomia viram clientes do Estado
central, em relações viciosas
comuns hoje", afirma.
Na Argentina, para Romero,
prevalece o Estado "provedor",
assediado por distintos interesses corporativos (sindicais,
empresariais) instalados na
máquina estatal, o que favorece
a conflitividade política. "O Estado no Chile sempre manteve
certa distância dos atores sociais e capacidade para estabelecer regras", diz ele, para
quem a elite chilena não se
transformou muito ao longo
dos anos, mantendo controle
sobre a sociedade.
No caso argentino, afirma, as
"velhas elites" foram "devoradas". "E vieram outras elites
-militar, sindical, empresarial- bastante medíocres."
Economia
Embora os PIBs dos países
tenham crescido em ritmo semelhante nos anos 2000
(3,5%), e ambos projetem aumento para 2010 (4% na Argentina, 4,5% no Chile), o que
fez a economia argentina nesse
período foi se recuperar da crise de 2001/2002, vinculada ao
fim da paridade peso-dólar.
"Falar em crescimento da
Argentina é uma "mentira estatística". O PIB atual está no nível de 1998. A história econômica argentina é a de uma decadência constante desde 1930,
salvo alguns momentos de alta.
Em 1913, éramos o décimo PIB
do planeta [hoje é o 24º]", diz o
economista Martín Simonetta.
A economia chilena perdeu
fôlego nos últimos anos por
perda de produtividade, mas
saiu da crise mundial por cima,
impulsionada por norma que
obriga a economizar em tempos de vacas magras e permite
elevar o gasto público em recessões. O governo argentino, por
sua vez, mantém um conflito
tributário com o setor rural,
tem estatísticas oficiais sob
suspeita de manipulação e briga para aprovar o fundo com reservas do BC para manter sua
política de gastos elevados.
Mas outra vez, dizem analistas, é preciso considerar diferenças naturais entre os países.
"A economia argentina é muito
mais complexa. A do Chile se
concentra em poucos produtos,
o cobre responde por 60% das
exportações", diz o diretor de
Desenvolvimento Econômico
da Cepal, Osvaldo Kacef.
Colaborou SILVANA ARANTES, de Buenos Aires
Texto Anterior: EUA se dizem "agradecidos" por papel do Brasil em relação ao Irã Próximo Texto: Transição após ditadura explica rumos distintos Índice
|