São Paulo, domingo, 24 de janeiro de 2010

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Andes separam estabilidade da turbulência

Vinte anos após fim da ditadura, Chile é modelo de democracia consolidada enquanto Argentina vive de crise em crise

Especialistas ouvidos pela Folha dizem que território e população menores e economia menos complexa facilitam a gestão do Chile


Eric Thayer -24.set.08/Reuters
As presidentes da Argentina, Cristina Kirchner (à esq.), e do Chile, Michelle Bachelet, conversam

THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL

Chile e Argentina ofereceram retratos distintos ao mundo nos últimos dias. Do lado chileno, uma mostra de maturidade democrática na eleição do empresário de centro-direita Sebastián Piñera -pleito tranquilo que marcou o fim de 20 anos de governos de centro-esquerda no país sem questionar ganhos e rumos das políticas básicas.
Na Argentina, uma crise política e institucional desatada durante a implementação, pelo governo da esquerdista Cristina Kirchner, de um fundo fiscal com reservas do Banco Central para pagar parte da dívida externa que vence em 2010. O presidente do BC se opôs à medida, e sua demissão -suspensa pela Justiça- é agora discutida, a contragosto do governo, no Legislativo e no Judiciário.
Imagens em contraste também na economia. Enquanto o fundo argentino é parte do esforço do país para voltar ao mercado internacional de crédito, do qual está afastado desde a moratória de 2001, o Chile, signatário de 21 acordos comerciais com 56 países, celebra seu ingresso à OCDE, o clube dos países ricos, assumindo regras de convergência com o mundo desenvolvido.
Para além de erros e acertos de governo e oposição, os fatos suscitam outro debate: por que o Chile caminha sólido e a Argentina aos soluços? Passados 20 anos ou mais do fim das ditaduras nesses países, o Chile deu certo e a Argentina não? Historiadores, economistas e analistas políticos dos dois países consultados pela Folha dizem que tal afirmação é simplista se não considerar as singularidades de cada país. São esses atributos, afirmam, analisados à luz da história de cada um, que ajudam a entender as diferenças de rumo.
A começar da própria organização política: menor e menos populoso, com administração centralizada na capital, o Chile é um país mais fácil de governar. Já o vizinho, com 23 Províncias, vive o "pior do federalismo", diz o historiador argentino Luis Alberto Romero.
"Províncias sem capacidade para se governar com autonomia viram clientes do Estado central, em relações viciosas comuns hoje", afirma.
Na Argentina, para Romero, prevalece o Estado "provedor", assediado por distintos interesses corporativos (sindicais, empresariais) instalados na máquina estatal, o que favorece a conflitividade política. "O Estado no Chile sempre manteve certa distância dos atores sociais e capacidade para estabelecer regras", diz ele, para quem a elite chilena não se transformou muito ao longo dos anos, mantendo controle sobre a sociedade.
No caso argentino, afirma, as "velhas elites" foram "devoradas". "E vieram outras elites -militar, sindical, empresarial- bastante medíocres."

Economia
Embora os PIBs dos países tenham crescido em ritmo semelhante nos anos 2000 (3,5%), e ambos projetem aumento para 2010 (4% na Argentina, 4,5% no Chile), o que fez a economia argentina nesse período foi se recuperar da crise de 2001/2002, vinculada ao fim da paridade peso-dólar.
"Falar em crescimento da Argentina é uma "mentira estatística". O PIB atual está no nível de 1998. A história econômica argentina é a de uma decadência constante desde 1930, salvo alguns momentos de alta.
Em 1913, éramos o décimo PIB do planeta [hoje é o 24º]", diz o economista Martín Simonetta.
A economia chilena perdeu fôlego nos últimos anos por perda de produtividade, mas saiu da crise mundial por cima, impulsionada por norma que obriga a economizar em tempos de vacas magras e permite elevar o gasto público em recessões. O governo argentino, por sua vez, mantém um conflito tributário com o setor rural, tem estatísticas oficiais sob suspeita de manipulação e briga para aprovar o fundo com reservas do BC para manter sua política de gastos elevados.
Mas outra vez, dizem analistas, é preciso considerar diferenças naturais entre os países. "A economia argentina é muito mais complexa. A do Chile se concentra em poucos produtos, o cobre responde por 60% das exportações", diz o diretor de Desenvolvimento Econômico da Cepal, Osvaldo Kacef.


Colaborou SILVANA ARANTES, de Buenos Aires



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