São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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Desabastecimento aprofunda desgaste do governo Chávez

Problemas de gestão e disputa na base política acendem alerta em ano eleitoral

Oposição, fortalecida após referendo, decide lançar candidatos únicos para governos estaduais e prefeituras em novembro

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Em janeiro do ano passado, Hugo Chávez, animado pela votação recorde de 63% nas eleições presidenciais, iniciava seu terceiro mandato prometendo o "socialismo do século 21". A agenda incluía um novo partido, nacionalizações e uma reforma constitucional. Treze meses depois, o presidente venezuelano tenta se recuperar da primeira derrota eleitoral em nove anos, tem a base de apoio envolvida numa briga fratricida e vê a imagem do governo desgastada por causa do desabastecimento alimentar.
A escassez de produtos da cesta básica já dura mais de um ano e atinge cada vez mais produtos. O último da lista é o arroz, embora o mais ausente continue sendo o leite. Faltam ovos, feijão e macarrão. Em praticamente todas as cidades do país, é fácil encontrar filas de consumidores para comprar leite em volume racionado -dois litros por pessoa.
Muitas vezes, a espera termina em confusão. Há nove dias, moradores de Sabaneta (sudoeste), terra natal de Chávez, saquearam um Mercal (supermercado estatal). A cidade é governada por um irmão do presidente, Anibal, e fica no Estado de Barinas, comandado pelo pai dele, Hugo de los Reyes.
A principal resposta do governo neste ano foi a criação da PDVAL, subsidiária da gigante petroleira PDVSA que está montando uma rede nacional para vender produtos como leite e feijão -importados do Brasil- a preços subsidiados.
Apesar de aumentar a oferta, a PDVAL não acabou com o problema das filas. "Acordei às 5h30 para ir ao Mercal comprar dois pacotes de arroz, dois de açúcar, um macarrão e mais nada", diz o ferreiro Wilfredo Marcano, 51, às 11h da última quinta, enquanto enfrentava a fila do novo posto da PDVAL, em Cátia, bairro pobre de Caracas. "Agora estou há três horas para comprar um frango."
O sistema de saúde é outra área que enfrenta problemas, agravados por recentes epidemias de dengue e de Chagas. Nas últimas semanas, funcionários de hospitais públicos fizeram paralisações para reclamar das condições de trabalho e exigir melhores salários. A secretária da Saúde para a região metropolitana de Caracas, Luisana Melo, admitiu na quarta-feira que o setor está em "colapso funcional".

Auto-elogios na TV
Na última semana, Chávez -que, após a derrota em dezembro, lançou a "política dos três Rs (revisão, retificação e reimpulso)- fez três cadeias de TV e rádio recheadas de auto-elogios na área de saúde e anunciou a criação de um Conselho Nacional de Segurança contra a violência urbana, apontada em pesquisas como o principal problema do país.
Na quinta, o presidente fez uma rara alusão ao momento que seu governo atravessa: "Há alguns que dizem, avaliando o que aconteceu em 2 de dezembro [referendo da reforma constitucional], que o amor acabou. Não, não acabou o amor entre nós e a revolução".
Além dos problemas de gestão, o governismo enfrenta um embate dentro do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), cujo lançamento oficial, previsto para dezembro, só deve ocorrer no mês que vem.
O deputado federal Luis Tascón acusou o ex-ministro da Infra-Estrutura e atual presidente do Seniat (a Receita local), José David Cabello, de atos de corrupção. Em resposta, o governador de Miranda (Estado na região metropolitana de Caracas), Diosdado Cabello, irmão de José David e cacique do chavismo, acusou Tascón de ligações com o narcotráfico e iniciou um movimento para expulsá-lo do partido, que não tem ainda estatuto aprovado.
O mau momento traz preocupações ao oficialismo sobre as eleições de novembro, que renovarão todas as prefeituras e governos estaduais, hoje quase todos em mãos de chavistas. A oposição, fortalecida com a vitória em dezembro, assinou um acordo pelo qual só lançará um candidato por cada disputa.
Recentemente, Chávez expressou o temor de perder o controle da Grande Caracas, considerado por ele vital para evitar um novo golpe de Estado, como o de 2002. "Se esta revolução não se retifica como deve ser retificada e perdermos uma importante quantidade de governos e prefeituras, o presidente pode ser afastado por referendo e sair antes de 2013", alertou o chavista Freddy Bernal, prefeito de Libertador (região central de Caracas), falando ao jornal "Aragüeño".


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