São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

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Conferência foca direitos humanos pós-Bush

Sob tom otimista em relação a Obama, Academia da Latinidade questiona a universalidade do conceito

UIRÁ MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A OSLO

Dias após Barack Obama anunciar o envio de mais 17 mil soldados ao Afeganistão e Hillary Clinton adotar um tom pragmático na relação dos EUA com a China, intelectuais de 13 países se reuniram em Oslo (Noruega) para debater os direitos humanos no pós-Bush.
Realizada entre os últimos dias 16 e 18, a 19ª Conferência da Academia da Latinidade teve "Os direitos humanos e sua possível universalidade" como tema e um tom otimista com relação ao novo presidente dos EUA como pano de fundo.
Na abertura, o ex-premiê da Noruega e presidente do Centro de Oslo para a Paz e os Direitos Humanos, Kjell Magne Bondevik (1997-2005), afirmou que "as intervenções militares no Iraque, bem como as prisões de Abu Ghraib [desmantelada] e Guantánamo [palcos de tortura], podem ter feito os EUA e a Europa perderem credibilidade, mas Obama escolheu outro caminho".
Para ele, agora será mais fácil acabar com a ambiguidade na aplicação dos direitos humanos. "Esse discurso duplo, como se o que vale para eles não valesse para nós, é reflexo de interesses econômicos e militares unilaterais que não podem obstruir a universalidade dos direitos humanos", disse.
Na mesma direção, o brasileiro Cândido Mendes, presidente do Conselho Internacional de Ciências Sociais, evocou o discurso da posse do presidente americano e argumentou que a eleição de Obama é a superação do dilema entre segurança e valores, com a recuperação destes e a reinstauração de um diálogo pluralista. "Bush criou a cruzada moderna, investindo contra o terrorismo. Obama eliminou o fundamentalismo ocidental."
No entanto, a esperança depositada na promessa de um novo avanço do multilateralismo não impediu que os palestrantes deparassem com problemas filosóficos velhos e difíceis -e para os quais ainda não há respostas definitivas.
Por exemplo, como afirmar a universalidade dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, garantir a autodeterminação dos povos? Como defender uma noção específica de direitos humanos marcadamente eurocêntrica sem ofender a particularidade de cada cultura?
"É preciso ter clareza quanto a isto: os direitos humanos são uma produção teórica da Europa", afirma François Jullien, professor da Universidade de Paris 7 e diretor do Instituto de Pensamento Contemporâneo.
"Eles são localizados no tempo -Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948- e no espaço. Tanto assim que a tradução de direitos humanos para o chinês leva a uma expressão que em si mesma não significa nada", disse.

Formulação negativa
Jullien, autor de diversos livros sobre o pensamento chinês, propôs uma solução que foi abraçada por quase todos os participantes como uma das conclusões da conferência: os direitos humanos devem ter uma formulação negativa.
Ou seja, "em vez de dizer quais são esses direitos, o que nos obriga a buscar aqueles mais palatáveis ao maior número de culturas, dizemos que é um direito dizer não. Cada um tem o direito de dizer não ao que for inaceitável para si. Desse ponto de vista negativo, a noção está afastada de uma ideia universal de verdade, mas, ainda assim, é um direito universal garantido a todos", afirmou.
Além dessas dificuldades filosóficas, alguns problemas mais concretos também apareceram nas discussões. A antropóloga turca Ayca Cubukcu, do Comitê de Pensamento Global da Universidade Columbia (EUA), argumentou que a universalidade dos direitos humanos não pode ser debatida de forma descolada da realidade.
"Em nome desses direitos têm sido conduzidas políticas ditas globais contra pessoas que têm uma religião específica -os muçulmanos- e que são caracterizadas como inimigos."
Para ela, nenhuma discussão sobre direitos humanos pode ser feita sem que se leve em consideração a desigualdade de força entre os diferentes povos.
Sua apresentação terminou com uma pergunta que recolocou o dilema inicial: "Se os EUA podem invadir o Iraque em nome dos direitos humanos e ao mesmo tempo desrespeitá-los no próprio Iraque e em outros países, saindo impunemente, então o que são todas essas discussões sobre direitos humanos e lei internacional?".


O jornalista UIRÁ MACHADO viajou a Oslo a convite da Academia da Latinidade


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