São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

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Reino Unido celebra 200 anos da abolição

"Mea culpa" pela escravidão se sobrepõe à comemoração de lei que acabou com comércio de escravos, em março de 1807

Pedidos de perdão são polêmicos; para historiador, refletem mudanças que imigração provocou na sociedade britânica

Reuters
A "porta sem volta" do antigo entreposto na ilha de Gorée (Senegal), de onde escravos vieram para o Brasil, o Caribe e os EUA


MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DE LONDRES

É com uma série de passeatas e polêmicas públicas que o Reino Unido celebra amanhã os 200 anos da abolição do comércio de escravos, buscando expurgar sua culpa na exploração dos africanos.
Aprovada pelo Parlamento em 25 de março de 1807, a lei que proibiu o comércio escravista está ganhando sua primeira celebração de destaque tanto por parte da sociedade quanto do governo, que investiu 20 milhões de libras (cerca de R$ 80 milhões) em eventos.
"Há 50 anos ninguém lembrou da data, mas hoje há muita discussão sobre ela", diz à Folha o professor John Oldfield, da Universidade de Southampton, um dos principais estudiosos britânicos da escravidão. "É um reflexo da mudança da sociedade britânica, que hoje é muito mais multicultural e etnicamente diversa e, por isso, demanda essa resposta."
Prova dessa demanda é o clima de "mea culpa" que predomina no país devido ao papel dos britânicos nos mais de quatro séculos de escravidão e que se sobrepõe às celebrações pelos atos libertadores.
O premiê Tony Blair expressou "profundo pesar", em novembro passado, pela liderança britânica no tráfico transatlântico de escravos. Na semana passada, voltou a se manifestar afirmando "sentir muito" pelos atos da nação no passado.
Já o prefeito de Londres, Ken Livingstone, foi mais enfático.
"Convido todos os representantes da sociedade a juntarem-se a mim para desculparmo-nos publicamente pelo papel que Londres teve nesse crime monstruoso", escreveu na última quarta, no jornal "The Guardian".
"Foram a resistência negra e o desenvolvimento econômico que destruíram a escravidão, não a filantropia branca", completou o prefeito, que também lembrou os pedidos de desculpas formais feitos pela Igreja Anglicana e pela cidade de Liverpool, outro importante centro do comércio escravista.
"No passado, quando falávamos de escravidão era para destacar o papel que tivemos em acabar com ela, para que pudéssemos nos sentir bem com nós mesmos", afirma Oldfield.
Para marcar a data, inúmeros museus -como o British Museum e o Victoria and Albert- estão sediando exposições que cobrem diversos aspectos da escravidão, desde seu impacto na África e no Caribe até os legados do sistema hoje.
O clima de reflexão sobre a culpa dos britânicos não é unânime, no entanto. Muitos grupos acham que a data devia ser lembrada pelas ações de abolicionistas como William Wilberforce (1759 -1833), parlamentar considerado o principal impulsionador do movimento.
"Recebi muitas mensagens reclamando que a data está sendo vista de modo a fazer os brancos sentirem culpa, em vez de celebrar a liberdade", diz o professor Oldfield.

Ruas renomeadas
Em Serra Leoa, ex-colônia britânica na África, o bicentenário está sendo marcado pela mudança dos nomes das principais ruas da capital, Freetown. Os nomes de personagens britânicos serão substituídos pelos de africanos do movimento abolicionista.
Projeto semelhante foi aventado na britânica Liverpool, uma das cidades que mais lucrou com o comércio escravista. A substituição dos nomes de ruas pelos de abolicionistas foi abortada, no entanto, após esbarrar em um nome clássico: a Penny Lane, tornada célebre na canção homônima, dos Beatles.
A rua foi nomeada em homenagem a James Penny, um dos maiores comerciantes de escravos do Reino Unido.


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