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ANÁLISE
Reforma da saúde contraria essência dinâmica dos EUA
O Partido Democrata não é estruturado para reduzir os gastos com a saúde e a seguridade social; ele não diz "chega de gastar" -ao contrário, alimenta e protege
DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES"
Os partidos políticos passam,
com o tempo, a encarnar causas. Ao longo dos últimos 90
anos, o Partido Republicano
passou a encarnar a causa da liberdade pessoal e do dinamismo econômico. Por um período
semelhante, o Partido Democrata passou a encarnar a causa
da justiça e da segurança familiar. Foi erguendo, tijolo por tijolo, um sistema de bem-estar
social para proteger as pessoas
contra as lanças do destino.
O DNA do Partido Democrata é reconhecível no conteúdo
da reforma do sistema de saúde
e na maneira como ela foi aprovada. Houve o nervosismo e a
irascibilidade inevitáveis, as
mesquinhas trocas mútuas de
favores políticos, mas também
o idealismo elevado e a preocupação fundamental com os setores vulneráveis da população.
E houve também a fé no
grande projeto de esquerda.
Desde o New Deal, os democratas protegeram os desempregados, os idosos e os pobres. Agora, graças à reforma da saúde,
milhões de famílias trabalhadoras irão dormir sabendo que
uma doença não as ameaçará
com a ruína financeira.
Os membros da equipe Obama-Pelosi passaram o último
ano numa busca tortuosa, suportando a opinião pública
hostil, críticas justas, desinformação grosseira, uma multidão
de ideias descabidas e as previsões equivocadas de pessoas
como eu, que achavam que a
sorte não estava do lado deles.
Eles merecem as homenagens
da posteridade por sua capacidade de perseverança.
No entanto, vendo tudo isso,
confesso que volto a sentir a razão pela qual não estou mais espiritualmente ligado ao Partido
Democrata. A essência dos
EUA é a energia -o dinamismo
do mercado, a mobilidade das
pessoas e a criatividade dos empreendedores. Esse dinamismo
surgiu de modo acidental, fruto
de um coquetel de fervor religioso e abundância material,
mas foi alimentado pela opção.
Foi alimentado por nossos fundadores, que criaram mercados
de capitais nacionais para abalar o domínio ossificador dos
produtores agrícolas. Foi alimentado por republicanos do
século 19 que construíram as
ferrovias e as universidades
voltadas ao ensino de agronomia, ciência e engenharia, para
tecer mercados livres abrangendo grandes distâncias. Foi
alimentado pelos progressistas
que romperam a hegemonia
paralisadora dos trustes.
Idosos e dívida
Hoje o vigor dos EUA é desafiado em duas frentes. Em primeiro lugar, o país está virando
um país de idosos. Outros países gastam cerca de 10% de seu
PIB com a saúde. Nós gastamos
17% e prevemos dentro em
pouco gastar 20% e, mais tarde,
25%. A nova legislação deveria
pôr fim a esse aumento asfixiante, que vai impossibilitar
mais investimentos em inovação, educação e tudo o mais,
mas não o fará.
Com a palavra "segurança"
gravada em seu coração, o Partido Democrata não é estruturado para reduzir gastos com a
saúde e a seguridade social. O
partido não diz "chega de gastar" -ele alimenta e protege.
A segunda maior ameaça ao
dinamismo dos EUA é a explosão da dívida federal. Os democratas podem falar em contenção fiscal, mas eles não sentem
a paixão por isso. A nova lei é
repleta de artifícios que visam
uma boa avaliação do Escritório Orçamentário do Congresso, mas não equilibram o Orçamento de fato. Os democratas
fizeram o suficiente para resolver seu problema político (não
dar a impressão de insensatez
fiscal), mas não o suficiente para resolver o problema real.
Ninguém sabe como a lei vai
funcionar na prática. É um empreendimento exponencialmente mais complexo que a
Guerra do Iraque, por exemplo.
Mas, para mim, a sensação é
que ela representa o fim de algo, e não o começo de algo. É a
conclusão nobre do grande
projeto esquerdista de erguer
um sistema abrangente de
bem-estar social.
A tarefa que temos pela frente é salvar os EUA da estagnação e da ruína fiscal. Precisamos elevar os impostos sobre o
consumo. Precisamos preservar os benefícios para os pobres
e reduzir os da classe média.
Precisamos investir mais em
inovação e capital humano.
O Partido Democrata não parece estar em condições de fazer frente a esse desafio que está por vir (o Partido Republicano tampouco). Os EUA se encontram na posição de uma família que gasta livremente e se
aproxima da falência e que, no
último minuto, anuncia que fará uma doação gigante para organizações de caridade. A gente
admira o ato de generosidade,
mas deseja que a família tivesse
vendido alguns de seus Mercedes para pagar por ele.
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