São Paulo, sexta-feira, 24 de abril de 2009

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ARTIGO

O pesadelo toma forma

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dez entre dez análises sobre o futuro daquilo que um dia foi chamado de guerra ao terror colocava como pior cenário possível a desintegração do Paquistão devido a uma insurreição islâmica. Com a chegada do Taleban paquistanês a menos de 100 km da capital, Islamabad, as suposições passaram a soar como profecias.
Conversando com um político do governista PPP e um diplomata ocidental ontem, a sensação era a de que o Apocalipse estava às portas. Mas ambos concordam que esse temor se deve, e muito, à estranha inação do Exército até aqui.
É verdade que os militares nunca foram empenhados na caça aos militantes que em vários casos haviam treinado, até serem forçados pelos EUA a agirem com mais dureza. O resultado foi desastroso, com pesadas perdas e a trégua que instalou um proto-emirado no vale do Swat.
Mas também é verdade que até aqui o terror não oferecia risco adicional à integridade do Paquistão; as áreas tribais já eram um território sem lei. O resto do país ainda era um todo sob a vista das Forças Armadas. O confronto ocorreu geralmente de forma irregular, com atentados. Quando foi direto, ocorreu em áreas montanhosas de esparsa população, de difícil controle pelos militares.
Isso dá um ar de péssima novidade às notícias de ontem. Até porque não é certa a reação do Exército, o verdadeiro poder político no país. Historicamente, momentos de grande convulsão foram resolvidos da forma tradicional: golpe.
Em Islamabad, a palavra ouvida sobre os militares era "apatia". Se isso significa lassidão para ver o circo pegar fogo e ser chamado a apagá-lo, é uma questão grave. Se implicar capitulação, aí os EUA serão impelidos a agir -com consequências imprevisíveis, a começar por uma não descartável intervenção indiana na Caxemira e o risco de uma guerra nuclear.
Dito isso, dois atenuantes.
Primeiro: ainda que haja indícios de células extremistas no Punjab, que equivale a São Paulo no Paquistão, o país é muito heterogêneo. O Taleban é composto pela minoria pashtun, e só teria sucesso geral se tivesse apoio de extremistas de outras etnias, por ora ainda sob os olhos do Exército. E há uma grande fatia moderna e urbana no Paquistão que não aceitaria um regime islâmico estrito.
Segundo: apesar do alarmismo justificável, o fato de estar à beira da auto-estrada moderna que liga Peshawar a Islamabad não é necessariamente uma vantagem para o Taleban. O tipo de guerra que ele luta não comporta combate em campo aberto, ainda mais em um lugar em que blindados podem agir.
Apesar dos sinais, faz mais sentido imaginar os extremistas tentando não derrubar o governo, mas garantir um território para si. A questão é: o Exército quer lutar?


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