São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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Congo ainda vive guerra civil no dia-a-dia

Terminado oficialmente há quatro anos, conflito persiste no país africano, fazendo mais de mil mortos quase a cada dia

Proximidade de eleição presidencial falha em trazer perspectiva para população, que perdeu 4 milhões de habitantes em uma década


LYDIA POLGREEN
DO "NEW YORK TIMES", EM AVEBA (CONGO)

Na primeira vez que o Exército do Congo (ex-Zaire) tentou reconquistar uma aldeia das milícias que vinham lutando por seu controle desde que a guerra civil do país supostamente terminou, em 2002, os soldados do governo abandonaram as armas e fugiram. Isso aconteceu em janeiro. A segunda tentativa, um mês mais tarde, também fracassou, a despeito do apoio considerável das forças de paz das Nações Unidas, que tentam estabilizar a situação do país antes da eleição marcada para julho -a primeira em mais de quatro décadas. Em lugar de combater as milícias, os soldados se amotinaram e saquearam a base das forças de paz na cidade. Foi só depois da terceira tentativa, em maio, que a milícia foi enfim expulsa da aldeia, localizada em uma parte densa da selva equatorial. Mas embora o Estado tenha reconquistado o controle provisoriamente, seus esforços nesse sentido deflagraram uma nova crise. Milhares de pessoas se refugiaram na aldeia, exaustas e alquebradas depois de meses de combates nas selvas, e isso perpetuou a fome e a doença que continuam a imperar no Congo depois dos cinco mortíferos anos de guerra civil pelos quais o país passou. Em menos de uma década, estima-se que 4 milhões de pessoas tenham morrido, principalmente de fome e em razão de doenças causadas pelos combates. Foi o mais mortífero conflito travado no mundo desde a Segunda Guerra Mundial, e mais de mil baixas vêm sendo registradas a cada dia, ainda hoje. Para muitos dos moradores locais, sobreviver, e não a eleição, é que representa um verdadeiro marco. "Nós fugimos porque ficamos com medo de morrer em nossas casas", disse Ngava Ngosi, um dos milhares de refugiados que se viram apanhados em meio a uma rotina de fugir da aldeia para a selva, e de volta, em meio ao caos aparentemente interminável que assola o leste do Congo. "Mas também morremos na selva."

Milícias e vizinhos
As eleições presidenciais e parlamentares de julho serão o primeiro momento de autodeterminação para a maioria dos congoleses; a última eleição pluripartidária aconteceu em 1965. Durante 32 anos, o Congo foi governado por Mobutu Sese Seko, que mudou o nome do país para Zaire e oprimiu a população com sua cobiça e repressão implacáveis. Desde que Mobutu foi deposto, em 1997, o país, que passou a se chamar República Democrática do Congo, caiu vítima de uma disputa mortal entre milícias rivais, tanto congolesas quanto movimentos apoiados por países vizinhos. A guerra terminou oficialmente com a assinatura de um tratado entre as facções, quatro anos atrás, mas a transição para a paz ainda não aconteceu. Milhares de civis fugiram das ações militares para eliminar redutos das milícias, refugiando-se na selva, onde enfrentam fome e doença. Ocasionalmente, era difícil distinguir se estavam fugindo das milícias, que saqueavam suas aldeias e praticavam estupros em escala maciça, ou dos soldados do governo congolês, que agiam mais ou menos da mesma maneira. As doenças também grassam sem controle. Na última quinta, os Médicos Sem Fronteiras apelaram por ajuda para combater a praga pneumônica no nordeste do país, após identificarem 144 casos. Em Geti, 16 quilômetros a leste de Aveba, centenas de pessoas chegam a cada dia, em busca de comida e segurança. A família Kanoya, cerca de duas dúzias de pessoas, estava sentada sob uma bananeira esperando que o patriarca, Tchoni Mugero, construísse um abrigo improvisado, usando gravetos e folhas. A família precisara de três dias para reunir material suficiente para o precário abrigo, e enquanto não o conseguiram, dormiram ao relento. No hospital de Geti, Ngele Anyodi, um enfermeiro, diz que as crianças estão morrendo por falta de comida e devido a doenças, a cada dia, porque não é possível transportá-las a um hospital mais bem equipado. A eleição pode estar chegando, mas votar, disse ele, era a última coisa que o preocupava. Mortos, afirma, não votam. "Precisamos de ajuda", apelou Anyodi. "Primeiro precisamos sobreviver."


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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