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No Líbano, instituto trata os traumas de crianças palestinas
Garotos e garotas atendidos por entidade vieram do campo de Nahr el Bared, onde conflito deixou mais de 150 mortos
Ansiedade, desânimo, medo de barulho e de escuro, falta de apetite, fome excessiva e
a lembrança dos mortos são traços comuns entre vítimas
TARIQ SALEH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TRÍPOLI
Há uma amoreira atrás do
instituto Beit Atfal Assumoud,
que atende crianças palestinas
no campo de refugiados de
Beddawi, no norte do Líbano.
Mas a árvore não estava solitária. Havia crianças, muitas, que
brincavam ao seu redor e comiam suas frutas. Seria algo comum não fosse outro detalhe:
elas também comiam as folhas.
O Beit Atfal Assumoud cuida
de 180 crianças do campo palestino de Nahr el Bared, onde
militantes radicais do Fatah al
Islam e o Exército libanês se
enfrentaram em um mês de
combate que deixou mais de
150 mortos (ao menos 20 deles
civis) encerrado nesta semana.
O conflito obrigou mais de 17
mil palestinos a deixarem suas
casas. "Para que as crianças não
sejam afetadas por este clima
depressivo, resolvemos iniciar
atividades para mantê-las ocupadas", afirma o presidente da
entidade, Kassem Aina, 58.
O instituto foi criado em 1976
e possui um centro em cada um
dos 12 campos palestinos do Líbano. As crianças recebem
apoio vocacional, atividades
educacionais, atendimento
dentário e psicológico. A ONG
recebe doações de entidades de
várias partes do mundo, mas
recusa ajuda governamental.
No terceiro dia do conflito
em Nahr el Bared, os 24 funcionários do centro em Beddawi,
apoiados por mais 38 voluntários de ambos os campos, começaram a trazer as crianças
do vizinho Nahr el Bared para
atividades em turnos. Coordenadora dos trabalhos, Dalal
Shahour, 45, diz que a idade delas vai de 3 a 13 anos e que fazem exercícios físicos, desenho, pintura, dança e música.
Nas paredes estão os desenhos -sangue, morte e destruição é o que mais se vê. "Este é o
estado emocional delas. Os desenhos, em sua maioria, envolvem o seus traumas", afirma.
Shahour explica que os voluntários passam nas escolas da
ONU (onde refugiados estão
abrigados) e casas a partir das
9h e trazem as crianças para
atividades até o meio-dia.
"Aqui elas recebem lanche e
frutas. Ainda é pouco, pois há
muita gente. Por causa do conflito, o campo dobrou sua população [era de 18 mil] e os suprimentos não são suficientes para todos". Além das crianças de
Nahr el Bared, o centro atende
outras 120 de Beddawi. "Mas
elas agora ficam em casa, para
que demos suporte às outras,
em situação emergencial."
A voluntária Leila Hamoud,
19, conta que as crianças chegam com fome. "Algumas passaram dois dias sem comida." O
grande número de pessoas, segundo a Cruz Vermelha, dificultou a entrega de alimentos.
"A amoreira estava carregada.
Não demorou até comeram tudo. Agora comem as folhas."
O psiquiatra libanês Jacques
Hureiki, 46, atende refugiados
de Nahr el Bared. Ele também
viu as crianças comendo folhas.
"A situação fez elas sentirem
ansiedade, fome." Para ele, levará ao menos um mês para se
recuperarem. "Ainda assim,
precisarão tomar medicamentos por cerca de seis meses."
Hureiki lista os sintomas
mais comuns nas crianças: desânimo, medo de barulho e de
escuro, falta de apetite ou fome
em excesso e a lembrança das
imagens de mortos. "Elas sofrem de estresse pós-traumático. Só atividades e medicamentos podem fazê-las esquecer a
experiência ruim que tiveram."
Jihad Sehaile, 9, estava na sala, sentado, sem banho havia
três dias. Cabisbaixo, olhar triste, sua única palavra foi "oi".
Ele viu o pai ser morto por fragmentos de artilharia do Exército libanês. A mãe e a irmã, de 17
anos, sobreviveram. Momentos antes, Jihad rodeava a amoreira. Ele comia folhas.
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