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Desenhos de refugiados seguem iguais por 60 anos
Vítimas de conflitos em tempo e espaço diferentes retratam temas comuns
Psiquiatra brasileira notou que trabalhos atuais de seus pacientes eram parecidos com os feitos por vítimas da Segunda Guerra Mundial
RENATA SUMMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Foi um pouco por acaso que a
psiquiatra e arteterapeuta Carmen Santana descobriu uma
série de desenhos feitos por
crianças refugiadas na Suíça
durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-45).
Coordenadora do Programa
de Saúde Mental para Refugiados -um programa da Cáritas,
do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(Acnur) e do Hospital das Clínicas que presta atendimento a
refugiados em São Paulo-,
Santana ficou impressionada
com a semelhança daqueles desenhos com os feitos por seus
pacientes.
"Visitando o escritório de um
conhecido, deparei com o mural de desenhos. Fiquei impressionada e ele me contou que a
sua mãe, que era suíça, havia
trabalhado num campo de refugiados de crianças na Segunda Guerra Mundial", afirma
Santana.
O que mais chocou a psiquiatra é que os temas dos desenhos
e até a maneira como tinham
sido feitos eram praticamente
os mesmos que ela vinha observando havia cerca de dez anos,
quando começou o atendimento a refugiados em São Paulo.
"O sofrimento tem sido representado de maneira muito
parecida. As experiências continuam muito parecidas, as
crianças continuam sofrendo
os males da guerra. A sensação
é a de que a humanidade não
aprendeu nada", conta.
Pouco depois, Santana teve
acesso a fotos de campos que
abrigam pessoas obrigadas a
deixar suas casas devido à guerra e que foram removidas pelo
pessoal do Acnur.
"Vimos que as fotos também
eram parecidas com os desenhos. Então, no ano passado,
decidimos fazer uma exposição
na qual os trabalhos dialogassem", explica a psiquiatra.
Lar e terra natal
Entre os desenhos expostos,
os que mais chamam a atenção
são os que têm o lar como tema.
De simpáticas casinhas com
grandes janelas e chaminés, rodeadas por pinheiros, a coloridos mapas e bandeiras, praticamente tudo parece remeter à
terra natal. Há também os que
ilustram o país de acolhimento,
no caso o Brasil. Meios de
transporte -especialmente
barcos- são outro tema bastante recorrente, que pode ilustrar tanto a maneira como foram arrancados de suas terras
como o desejo de voltar.
Não raro, os desenhos vêm
acompanhados por um apelo:
"PAZ", ou então "Vive l'unité
africaine" (Viva a união africana), ou mesmo "somos hermanos latinoamericanos" (somos
irmãos latino-americanos).
Segundo Santana, é comum
que os refugiados idealizem o
país de onde vieram como um
lugar onde não havia conflitos,
nem doenças, nem sofrimento.
"Antes da guerra, é claro. Se a
terra natal não vale nada, eles
automaticamente também não
valem nada. Precisam valorizar
as origens", afirma a psiquiatra.
Cada desenho de elefantes
ou águias andinas, de paisagens
amazônicas ou rostinhos asiáticos conta um pedacinho da
história de seu autor e denuncia sutilmente a origem dos refugiados -anunciados pelo governo nesta semana, por conta
do Dia Internacional dos Refugiados, celebrado em 20 de junho, como sendo 3.400 no Brasil, de 69 nacionalidades.
O grupo mais atendido por
Santana é o de africanos -que
correspondem a 78% dos refugiados no país, segundo dados
do governo. Mas a psiquiatra
tem visto aumentar rapidamente, nos últimos anos, a presença de libaneses e colombianos -estes atingidos há 43
anos por conflitos internos.
"São histórias de pessoas que
entraram no navio achando
que fossem desembarcar nos
EUA ou no Canadá e acabaram
sendo largados no porto de
Santos ou jogados no mar. Ou
de um menininho colombiano
de três anos que tinha quatro
nomes diferentes porque, em
cada país pelo qual a família
passou, ele tinha que trocar de
nome. São histórias como essas", conta.
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