São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Desenhos de refugiados seguem iguais por 60 anos

Vítimas de conflitos em tempo e espaço diferentes retratam temas comuns

Psiquiatra brasileira notou que trabalhos atuais de seus pacientes eram parecidos com os feitos por vítimas da Segunda Guerra Mundial

RENATA SUMMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Foi um pouco por acaso que a psiquiatra e arteterapeuta Carmen Santana descobriu uma série de desenhos feitos por crianças refugiadas na Suíça durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Coordenadora do Programa de Saúde Mental para Refugiados -um programa da Cáritas, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e do Hospital das Clínicas que presta atendimento a refugiados em São Paulo-, Santana ficou impressionada com a semelhança daqueles desenhos com os feitos por seus pacientes.
"Visitando o escritório de um conhecido, deparei com o mural de desenhos. Fiquei impressionada e ele me contou que a sua mãe, que era suíça, havia trabalhado num campo de refugiados de crianças na Segunda Guerra Mundial", afirma Santana.
O que mais chocou a psiquiatra é que os temas dos desenhos e até a maneira como tinham sido feitos eram praticamente os mesmos que ela vinha observando havia cerca de dez anos, quando começou o atendimento a refugiados em São Paulo.
"O sofrimento tem sido representado de maneira muito parecida. As experiências continuam muito parecidas, as crianças continuam sofrendo os males da guerra. A sensação é a de que a humanidade não aprendeu nada", conta.
Pouco depois, Santana teve acesso a fotos de campos que abrigam pessoas obrigadas a deixar suas casas devido à guerra e que foram removidas pelo pessoal do Acnur.
"Vimos que as fotos também eram parecidas com os desenhos. Então, no ano passado, decidimos fazer uma exposição na qual os trabalhos dialogassem", explica a psiquiatra.

Lar e terra natal
Entre os desenhos expostos, os que mais chamam a atenção são os que têm o lar como tema. De simpáticas casinhas com grandes janelas e chaminés, rodeadas por pinheiros, a coloridos mapas e bandeiras, praticamente tudo parece remeter à terra natal. Há também os que ilustram o país de acolhimento, no caso o Brasil. Meios de transporte -especialmente barcos- são outro tema bastante recorrente, que pode ilustrar tanto a maneira como foram arrancados de suas terras como o desejo de voltar.
Não raro, os desenhos vêm acompanhados por um apelo: "PAZ", ou então "Vive l'unité africaine" (Viva a união africana), ou mesmo "somos hermanos latinoamericanos" (somos irmãos latino-americanos).
Segundo Santana, é comum que os refugiados idealizem o país de onde vieram como um lugar onde não havia conflitos, nem doenças, nem sofrimento. "Antes da guerra, é claro. Se a terra natal não vale nada, eles automaticamente também não valem nada. Precisam valorizar as origens", afirma a psiquiatra.
Cada desenho de elefantes ou águias andinas, de paisagens amazônicas ou rostinhos asiáticos conta um pedacinho da história de seu autor e denuncia sutilmente a origem dos refugiados -anunciados pelo governo nesta semana, por conta do Dia Internacional dos Refugiados, celebrado em 20 de junho, como sendo 3.400 no Brasil, de 69 nacionalidades.
O grupo mais atendido por Santana é o de africanos -que correspondem a 78% dos refugiados no país, segundo dados do governo. Mas a psiquiatra tem visto aumentar rapidamente, nos últimos anos, a presença de libaneses e colombianos -estes atingidos há 43 anos por conflitos internos.
"São histórias de pessoas que entraram no navio achando que fossem desembarcar nos EUA ou no Canadá e acabaram sendo largados no porto de Santos ou jogados no mar. Ou de um menininho colombiano de três anos que tinha quatro nomes diferentes porque, em cada país pelo qual a família passou, ele tinha que trocar de nome. São histórias como essas", conta.


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