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"Se três "Mohamads" trocam tiros, a mídia vê uma catástrofe"
DA REDAÇÃO
A intenção declarada de Edward Luttwak é destruir o consenso em torno da importância
estratégica do Oriente Médio.
Em entrevista por telefone à
Folha, de Washington, o especialista em defesa disse por que
acha que a região deve ser deixada de lado e acusou o Brasil
de negligência ao lidar com terroristas xiitas que, diz ele, agem
na Tríplice Fronteira.
(MN)
FOLHA - Por que o Oriente Médio
não importa?
EDWARD LUTTWAK - A atenção
dada ao conflito árabe-israelense é um enorme exagero. Se
a razão é humanitária, deveríamos olhar para outras regiões.
Sempre há outra região no
mundo negligenciada, embora
gere 50 ou cem vezes mais mortes que o conflito árabe-israelense. Atualmente essa região é
Darfur [Sudão], onde,
num único
verão, houve
mais mortes
que no conflito árabe-isrelense desde
1942.
Se o interesse é estratégico, note
que desde que
a União Soviética deixou
de apoiar o lado árabe, o
Oriente Médio deixou de
ter significado. Se o interesse é o petróleo, observe que nada
do que está
sendo feito
ajuda a garantir o fornecimento ou o preço. Pelo contrário. A
guerra do Iraque tira [do mercado] dois milhões de barris
por dia.
FOLHA - Por que o Oriente Médio
continua tendo tamanha atenção?
LUTTWAK - Há um elemento
psicológico que explica a atração. Mas também há uma deformação profissional na mídia. Os jornalistas que cobrem
o conflito ficam em bons hotéis
israelenses. Bons restaurantes
e cafés; nenhum risco. São totalmente livres para escrever.
Assim, as mesmas reportagens se repetem: um palestino
joga pedras e o israelense atira
nele. Tornou-se um ritual. Isso
é resultado de uma distorção
que teve origem na Guerra Fria.
Os soviéticos decidiram transformar o Oriente Médio na arena de competição número um e
armaram pesadamente os países árabes. A região foi importante até 1990. Acostumamo-nos com a idéia de ela é muito
importante, mas não é.
FOLHA - Por que o sr. diz que a imagem da região é moldada pelo "catastrofismo"?
LUTTWAK - Esse é o primeiro erro. Toda vez que três "Mohamads" trocam tiros, a mídia diz
que estamos à beira de uma catástrofe, como acontece agora
com o Hamas [em Gaza]. Só
que não acontece nenhuma catástrofe, só uma volta ao antigo
ciclo de violência. Até que ele é
contido e tem início um processo de paz. Mas logo alguém explode algo e isso leva à violência
de novo. Catastrofismo é fazer
com que algo pareça importante quando não é. O falecido rei
Hussein, da Jordânia, era especialista nisso.
FOLHA - A ameaça atribuída ao Irã
também é exagerada?
LUTTWAK - Claro. Contam-se os
aviões que o Irã tem como se
fossem uma Força Aérea, mas é
só uma coleção de velhas aeronaves. Falam muito dos mísseis
iranianos, mas eles não têm nada. E se continuarem com o
programa nuclear não chegarão à bomba, pois serão contidos antes. Se os EUA não os atacarem, Israel o fará.
FOLHA - O consenso é que isso levaria a uma onda de terror.
LUTTWAK - O Hizbollah fez isso
na Argentina, com a ajuda de
seus bons amigos de Ciudad del
Leste, na Tríplice Fronteira.
Por algum motivo que não entendo, o Brasil acha inteligente ter contrabando legalizado na
região, o que
torna possível
a existência
de uma perigosa comunidade xiita do
Hizbollah. O
Irã poderia
patrocinar
outros atentados como
esse, mas o
terrorismo
não chega a
ser uma
ameaça global. É só uma
fonte de irritação.
FOLHA - O Ocidente pode mudar o Oriente Médio?
LUTTWAK - Não. O erro é acreditar que essas sociedades são
maleáveis. Que basta os israelenses e os americanos serem
bonzinhos com os árabes para
tudo se resolver. Ou, no extremo oposto, que é preciso bombardeá-los, pois os árabes só
entendem a força. Para que gastar sangue e dinheiro tentando
influenciá-los sem sucesso?
FOLHA - O maior problema é a religião?
LUTTWAK - Não é o maior, é o
único problema. No momento
em que uma população se envolve com o islã, pára de se desenvolver. Uma sociedade islâmica só se moderniza quando é
agressivamente secular.
FOLHA - O sr. também discorda da
afirmação de que a solução do conflito árabe-israelense é a chave do
problema?
LUTTWAK - Esse é o maior mito
de todos. Quer dizer que os muçulmanos na Tailândia parariam de matar budistas? Os
muçulmanos deixariam de matar católicos nas Filipinas? Xiitas e sunitas se entenderiam no
Iraque? Claro que não.
FOLHA - Niall Ferguson afirma que
a próxima guerra global terá origem
no Oriente Médio.
LUTTWAK - Entre quem? Entre
um "Mohamad" e outro "Mohamad"? Rússia, China e outros países não se envolveriam
nessa guerra. Esse é um belo
exemplo de catastrofismo.
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