São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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"Se três "Mohamads" trocam tiros, a mídia vê uma catástrofe"

DA REDAÇÃO

A intenção declarada de Edward Luttwak é destruir o consenso em torno da importância estratégica do Oriente Médio. Em entrevista por telefone à Folha, de Washington, o especialista em defesa disse por que acha que a região deve ser deixada de lado e acusou o Brasil de negligência ao lidar com terroristas xiitas que, diz ele, agem na Tríplice Fronteira. (MN)

 

FOLHA - Por que o Oriente Médio não importa?
EDWARD LUTTWAK -
A atenção dada ao conflito árabe-israelense é um enorme exagero. Se a razão é humanitária, deveríamos olhar para outras regiões. Sempre há outra região no mundo negligenciada, embora gere 50 ou cem vezes mais mortes que o conflito árabe-israelense. Atualmente essa região é Darfur [Sudão], onde, num único verão, houve mais mortes que no conflito árabe-isrelense desde 1942. Se o interesse é estratégico, note que desde que a União Soviética deixou de apoiar o lado árabe, o Oriente Médio deixou de ter significado. Se o interesse é o petróleo, observe que nada do que está sendo feito ajuda a garantir o fornecimento ou o preço. Pelo contrário. A guerra do Iraque tira [do mercado] dois milhões de barris por dia.

FOLHA - Por que o Oriente Médio continua tendo tamanha atenção?
LUTTWAK -
Há um elemento psicológico que explica a atração. Mas também há uma deformação profissional na mídia. Os jornalistas que cobrem o conflito ficam em bons hotéis israelenses. Bons restaurantes e cafés; nenhum risco. São totalmente livres para escrever. Assim, as mesmas reportagens se repetem: um palestino joga pedras e o israelense atira nele. Tornou-se um ritual. Isso é resultado de uma distorção que teve origem na Guerra Fria. Os soviéticos decidiram transformar o Oriente Médio na arena de competição número um e armaram pesadamente os países árabes. A região foi importante até 1990. Acostumamo-nos com a idéia de ela é muito importante, mas não é.

FOLHA - Por que o sr. diz que a imagem da região é moldada pelo "catastrofismo"?
LUTTWAK -
Esse é o primeiro erro. Toda vez que três "Mohamads" trocam tiros, a mídia diz que estamos à beira de uma catástrofe, como acontece agora com o Hamas [em Gaza]. Só que não acontece nenhuma catástrofe, só uma volta ao antigo ciclo de violência. Até que ele é contido e tem início um processo de paz. Mas logo alguém explode algo e isso leva à violência de novo. Catastrofismo é fazer com que algo pareça importante quando não é. O falecido rei Hussein, da Jordânia, era especialista nisso.

FOLHA - A ameaça atribuída ao Irã também é exagerada?
LUTTWAK -
Claro. Contam-se os aviões que o Irã tem como se fossem uma Força Aérea, mas é só uma coleção de velhas aeronaves. Falam muito dos mísseis iranianos, mas eles não têm nada. E se continuarem com o programa nuclear não chegarão à bomba, pois serão contidos antes. Se os EUA não os atacarem, Israel o fará.

FOLHA - O consenso é que isso levaria a uma onda de terror.
LUTTWAK -
O Hizbollah fez isso na Argentina, com a ajuda de seus bons amigos de Ciudad del Leste, na Tríplice Fronteira. Por algum motivo que não entendo, o Brasil acha inteligente ter contrabando legalizado na região, o que torna possível a existência de uma perigosa comunidade xiita do Hizbollah. O Irã poderia patrocinar outros atentados como esse, mas o terrorismo não chega a ser uma ameaça global. É só uma fonte de irritação.

FOLHA - O Ocidente pode mudar o Oriente Médio?
LUTTWAK -
Não. O erro é acreditar que essas sociedades são maleáveis. Que basta os israelenses e os americanos serem bonzinhos com os árabes para tudo se resolver. Ou, no extremo oposto, que é preciso bombardeá-los, pois os árabes só entendem a força. Para que gastar sangue e dinheiro tentando influenciá-los sem sucesso?

FOLHA - O maior problema é a religião?
LUTTWAK -
Não é o maior, é o único problema. No momento em que uma população se envolve com o islã, pára de se desenvolver. Uma sociedade islâmica só se moderniza quando é agressivamente secular.

FOLHA - O sr. também discorda da afirmação de que a solução do conflito árabe-israelense é a chave do problema?
LUTTWAK -
Esse é o maior mito de todos. Quer dizer que os muçulmanos na Tailândia parariam de matar budistas? Os muçulmanos deixariam de matar católicos nas Filipinas? Xiitas e sunitas se entenderiam no Iraque? Claro que não.

FOLHA - Niall Ferguson afirma que a próxima guerra global terá origem no Oriente Médio.
LUTTWAK -
Entre quem? Entre um "Mohamad" e outro "Mohamad"? Rússia, China e outros países não se envolveriam nessa guerra. Esse é um belo exemplo de catastrofismo.


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