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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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Guerra ao terror traz mais terror, diz analista

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

A guerra contra o terrorismo, declarada pelos EUA em 2001 após os atentados do 11 de Setembro, e encampada, em maior ou menor grau, por dezenas de países, está produzindo uma série de paradoxos.
O primeiro deles é que, apesar de a caçada internacional aos grupos terroristas, em especial à rede Al Qaeda, responsável pelos ataques contra o World Trade Center e o Pentágono, ter resultado na prisão ou na morte de grande número de militantes, a frequência de atentados tem crescido nos últimos meses.
"Apesar de os EUA e seus aliados terem conseguido prender ou matar de 60% a 70% dos quadros mais importantes da Al Qaeda, está havendo uma escalada dos ataques terroristas e não uma redução", diz Rohan Gunaratna, autor do livro "Inside Al Qaeda -Global Network of Terror" (dentro da Al Qaeda - rede global do terror), da Columbia University Press (Nova York).
No intervalo de apenas alguns dias em maio último, houve atentados em Riad (Arábia Saudita), na Tchetchênia (dois, em dias diferentes), no Paquistão e em Casablanca (Marrocos).
"Não há dúvida de que a Al Qaeda está trabalhando com grupos islâmicos menores, treinados durante anos no Afeganistão. E que há uma coordenação entre os ataques", afirma Gunaratna, originário do Sri Lanka e pesquisador do Centro para o Estudo de Terrorismo e Violência Política da Universidade St. Andrews (Escócia).
Os eventos do atual mês de agosto dão credibilidade à sua tese. No dia 5, um terrorista suicida se explodiu diante do hotel Mariott em Jacarta (Indonésia). Dois dias depois, um caminhão-bomba foi deixado em frente à Embaixada da Jordânia no Iraque. Na última terça-feira, foi vez de a sede da ONU em Bagdá ser atingida por um atentado.
Já a Guerra do Iraque, justificada pelo governo George W. Bush como uma etapa fundamental da luta contra o terror, está trazendo diversos resultados contraditórios. O mais surpreendente -ou talvez o melhor adjetivo seja irônico- é o provável estreitamento das relações entre o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein -ou ex-integrantes de seu regime- e a Al Qaeda no Iraque ocupado.
Apesar das alegações feitas antes da guerra de que Saddam e a Al Qaeda manteriam relações -e de que isso representaria um grave perigo porque o então ditador poderia vir a fornecer à rede terrorista armas de destruição em massa-, os especialistas da área não viam indícios dessa ligação.
Agora, com o regime de Saddam deposto e os sérios problemas de segurança no Iraque, cresce a possibilidade de que o ex-ditador -ou ex-membros de seu regime- e a Al Qaeda tenham feito uma aliança para infernizar a vida dos americanos.
"A queda de Saddam não foi ruim para a Al Qaeda, que não gostava do antigo regime iraquiano, secular e corrupto, mas que, com a presença de americanos em grande número no Iraque, tem agora a oportunidade de atacar diretamente os EUA", diz Daniel Byman, pesquisador nas áreas de estratégia contraterrorista e terrorismo no Oriente Médio do Instituto Brookings, em Washington.
"Para a Al Qaeda, desmoralizar os EUA no Iraque seria comparável à desmoralização impingida aos soviéticos no Afeganistão", afirma Byman, professor da Universidade Georgetown.
O atentado contra o QG da ONU em Bagdá, que matou pelo menos 20 pessoas, pode ser resultado dessa aliança. De acordo com Gunaratna, o material explosivo utilizado no atentado provavelmente veio de ex-integrantes do regime deposto, mas a idealização e a estratégia do ataque levam as marcas da Al Qaeda.
"A magnitude do atentado, o fato de ter sido uma ação suicida e de um veículo-bomba ter sido utilizado são elementos típicos da Al Qaeda. E o alvo foi a ONU, que já havia sido nomeada pela rede como um dos inimigos do islã", diz.
Se essa união entre um regime secular -deposto, é verdade, mas com amplo enraizamento no Iraque e, possivelmente, acesso a armas e explosivos- e a principal organização terrorista islâmica se confirmar, e não for rapidamente suprimida, representará um efeito bastante adverso da estratégia antiterrorista dos EUA.
Michèle Fournoy, consultora sênior do programa de segurança internacional do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, também em Washington, aponta um outro paradoxo.
Embora ela considere que a guerra contra Saddam não tivesse nenhuma relação com a luta com o terrorismo ("foi um desvio de recursos, que poderiam ter sido aplicados de maneira mais focalizada"), os EUA agora não têm outra saída: precisam conquistar a paz no Iraque.
"Se a intervenção no Iraque não for bem-sucedida, a capacidade dos EUA de liderar a comunidade internacional e construir coalizões em torno de causas comuns no futuro estará seriamente comprometida", diz.
"A guerra foi feita, e os EUA têm muita coisa em jogo. Os grupos terroristas sabem disso e farão tudo o que puderem para que os EUA fracassem", afirma.


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