UOL


São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O CONFLITO VISTO DE DENTRO

"Onde está esse tal plano de paz?", pergunta palestina

FRANK BRUNI
DO "NEW YORK TIMES", EM NABLUS

Na periferia da cidade desesperada de Nablus, um grupo de jovens palestinos armados, dois deles usando capuzes pretos, cercou um carro que passava na rua, na tarde da quinta-feira, e mandou seus ocupantes saírem do veículo. Os jovens pareciam estar procurando um rival que tinha matado um de seus amigos, mas não se deram ao trabalho de se explicar antes de deixar o carro partir outra vez com seus passageiros.
Alguns minutos antes, a poucas quadras de distância, um grupo de palestinos mais velhos lamentava o que dizia ser o aumento vertiginoso da criminalidade entre palestinos na Cisjordânia e formulava uma pergunta pontual, com implicações para o esforço de paz israelo-palestino, que parece estar paralisado: como se pode esperar que o premiê palestino, Mahmoud Abbas (mais conhecido como Abu Mazen), garanta a segurança dos israelenses, quando não consegue fazer o mesmo por seu próprio povo?
"Antes de sequer cogitar tomar medidas contra a resistência palestina, ele deveria se livrar das gangues daqui", afirmou um dos homens, referindo-se, em relação à resistência, aos grupos militantes Hamas e Jihad Islâmico.
O governo israelense e líderes dos EUA e de outros países vêm intensificando a exigência de que Abbas reprima os grupos militantes, como medida precursora de qualquer acordo de paz. Mas basta passar algumas horas na cidade de Nablus, onde a lei parece não existir, e conversar com alguns de seus habitantes amargurados para perceber que existem limites graves à capacidade de Abbas de cumprir o que lhe é pedido.
Os limites não são apenas práticos, mas também políticos. Abbas é um homem em situação muito difícil, quase sem saída à vista.
Os moradores de Nablus, vista por Israel como o reduto central do terrorismo palestino, confirmaram a crença amplamente difundida de que, se Abbas tentasse reforçar sua legitimidade internacional tomando medidas contra os grupos militantes, acabaria com a legitimidade que ele ainda desfruta entre os palestinos.
Dúvidas quanto à extensão do controle exercido pelo premiê estavam subentendidas, na quinta-feira, no fato de o secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, ter pedido a ajuda do presidente da ANP, Iasser Arafat.
Muitos palestinos dizem que já estão quase desistindo de acreditar em Mazen, porque nada do que ele fez até agora, incluindo o fato de ter endossado o plano de paz chamado de "roteiro da paz", resultou em melhora nas suas vidas. ""Onde está esse tal roteiro da paz?" perguntou a profissional médica Ana Qadri, 42. ""Mostrem-me algum sinal. Quero ver um sinal dele que seja."
Enquanto ela falava, cerca de 12 adolescentes ali perto atiravam pedaços de concreto contra um dos muitos tanques israelenses espalhados por Nablus. As forças israelenses entraram na cidade em resposta ao atentado suicida que matou 20 pessoas num ônibus em Jerusalém, na terça-feira.
Qadri disse que o plano de paz não pôs fim a essas investidas de Israel nem eliminou as barreiras militares israelenses que impedem o livre trânsito dos palestinos pela Cisjordânia. Consequentemente, afirmou, qualquer repressão de Abbas aos grupos militantes seria encarada como uma rendição injustificada. "O primeiro gesto precisa vir do lado israelense", disse Qadri. "Sem isso, Abu Mazen não pode fazer nada."
Várias pessoas em Nablus disseram que Abbas faria melhor em renunciar ao cargo do que em tomar qualquer medida contra os grupos militantes. ""Se fizer alguma coisa contra eles, será o início de uma nova Intifada contra ele e contra Israel", disse Abdullah Mahmoud, 41, proprietário de uma farmácia na cidade.
Enquanto Israel insiste que o atentado da última terça-feira mostra por que Mazen precisa tomar medidas contra o Hamas, palestinos descreveram o ataque como consequência inevitável da ocupação israelense da Cisjordânia e dos ataques que Israel promove contra militantes suspeitos.
Abbas parece estar num impasse, preso entre os dois pontos de vista diametralmente opostos e sem conseguir agir. ""Ele está numa posição extremamente precária", disse o professor de ciência política Ali Jerbawi, da Universidade Bir Zeit, em Ramallah.
O ministro da Informação palestino, Nabil Amr, discorda dessa opinião. Em entrevista concedida em Ramallah na quinta-feira, Amr disse que Abbas vai, de fato, "tomar medidas para pôr fim à atividade do Hamas". "O mundo não pode esperar", disse ele. Mas, indagado se essas medidas incluiriam a prisão de militantes, como Israel pede, Amr respondeu: "Não podemos falar nada a esse respeito, especialmente agora".
De modo geral, a impressão que se tem é que a credibilidade de Mazen junto aos palestinos -e, portanto, sua utilidade como participante em qualquer plano de paz- está em risco. ""Ninguém apoiaria qualquer ação tomada por ele contra seu próprio povo, já que não consegue ajudar esse mesmo povo", disse Abu Nidal, 53 anos, vendedor em Nablus.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Oriente Médio: ANP pede nova trégua, agora com Israel
Próximo Texto: Frases
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.