São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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INCÓGNITA ECONÔMICA

País pende entre recessão e alívio

Com o dólar como moeda de reserva global, EUA puderam usar heterodoxia para irrigar economia

Fernando Canzian, da Reportagem Local

S ete entre cada dez norte-americanos avaliam que a economia dos Estados Unidos vai de mal a pior. Mas essa percepção já foi mais azeda. Há pouco mais de um mês, 80% achavam isso, segundo pesquisas semanais do instituto Gallup. Já o percentual de otimistas dobrou em 30 dias, de 4% para 8% dos entrevistados.
No "aniversário" de um ano do estouro da chamada "bolha imobiliária subprime", que teve o reflexo direto de apertar o crédito às famílias norte-americanas, a economia dos EUA continua em xeque. Longe de superar o pior, apesar da melhora de humor no país. Na raiz da crise estão empréstimos desenfreados e de baixa qualidade no setor imobiliário, que provocaram rombos gigantescos nos balanços e sistemas de crédito dos bancos.
Como reflexo da inadimplência dos mutuários e do medo de novos calotes, o principal duto que abastece o motor da economia dos EUA entupiu, secando o crédito do sistema financeiro ao consumo (responsável por dois terços do PIB do país).
O período à frente é crucial para definir se os EUA entrarão em recessão, comprometendo economias periféricas. Ou se sairão dessa com a desenvoltura de recuperações anteriores -a mais recente em 2000.
Para contornar a crise, nos últimos meses o Fed (o banco central americano) e o governo de George W. Bush abusaram da prerrogativa que só os EUA têm na atual configuração econômica global -em que o dólar norte-americano é sinônimo de reserva de valor para dezenas de economias.
Há um ano, 91% das reservas do Fed estavam investidas em títulos do governo dos EUA, negócio considerado como um dos mais seguros do mundo. Com a crise, quase a metade dessas reservas foi direcionada ao sistema financeiro em troca de garantias pouco confiáveis dos bancos (os próprios empréstimos que seus clientes não estão conseguindo pagar).
Foi uma das formas encontradas para tentar salvar o sistema, que o próprio Fed e o Tesouro dos EUA deixaram correr solto até a atual crise. O Fed também vem mantendo os juros básicos no país em 2% ao ano. É um percentual menor do que a inflação corrente. Isso leva os empréstimos contraídos pelas famílias a ficar mais baratos, aliviando o endividamento e procurando abrir mais espaço para o consumo -e o crescimento do PIB.
A última perna desse "tripé de estímulos" deu-se com a ampliação de descontos nos impostos das famílias. Nos últimos seis meses, 66% delas receberam algum tipo de incentivo fiscal do governo. Até aqui, continua sendo uma grande incógnita se esses estímulos, que podem ter chegado ao limite, serão suficientes para levantar de novo o país. A o que parece, os EUA ainda vêm se mostrando muito mais resistentes do que outras economias avançadas à atual crise de crédito, que se alastrou por todo o mundo.
Enquanto o PIB da zona do euro e o do Japão já embicaram para baixo, os EUA cresceram 1,9% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. O crescimento foi sustentado por um salto de 20% nas exportações nos últimos 12 meses, impulsionadas por um dólar em baixa que deixa os produtos do país mais baratos. Não fossem as exportações em alta, a economia dos EUA teria se contraído 0,5% no trimestre passado.
O cenário levou o economista-chefe para os EUA do Lehman Brothers, Ethan Harris, a dizer que o país sofre de "uma recessão em câmera lenta". "Em uma recessão convencional, há um colapso. Ele só pode, mais à frente, levar a uma recuperação. Na conjuntura atual, falamos mais de uma dor crônica, de longa duração, e que dificilmente gerará mais renda e emprego", diz.
Para Andrew Tilton, economista do Goldman Sachs, "há claramente uma deterioração no mercado de trabalho. E é muito provável que ele continue nessa trajetória".
Os principais críticos da política econômica dos anos de George W. Bush afirmam que de pouco adiantarão os estímulos atuais, tendo em conta que foi minada uma das bases fundamentais de qualquer economia: a renda. Sob Bush, argumentam, os EUA sofreram a maior concentração de renda na história recente.
O valor fixado pelo governo federal para a remuneração mínima por hora de trabalho ficou congelado entre 2000 e 2007, quando houve um pequeno reajuste. Em termos reais (descontada a inflação), a hora mínima paga caiu de US$ 4,70 em 2000 para menos de US$ 4,40 -uma queda de 6,5%.
Como resultado, em 2006 (último dado disponível), a renda média das famílias era 2% menor do que em 2000. Isso em um período em que o lucro corporativo subiu 11% além da inflação, e os ganhos do 1% de americanos mais ricos, 95%.


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