São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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Sucata vira pólo turístico na Alemanha

Vale do Ruhr, que abrigava indústria pesada, passa a ganhar 1,5 bilhão por ano com turismo após reurbanização

Antigo centro industrial recicla siderúrgicas e minas de carvão abandonadas para convertê-las em locais de turismo, design e eventos

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Muros de escalada nas paredes de velhas fábricas. Parques e muito verde em meio a antigas minas de carvão. Festivais de teatro, de design e de música em siderúrgicas abandonadas.
O entretenimento, o turismo, o design e até o verde estão mudando a fisionomia dos antigos complexos industriais de uma das regiões mais decadentes e feias da Europa. O vale do Ruhr, antigo coração industrial da Alemanha, virou atração turística no país sem esquecer seu passado fabril.
Os turistas geram 1,5 bilhão por ano para a economia local -são 2,5 milhões de alemães e 800 mil estrangeiros. Dois terços dos visitantes vão à região pelo turismo de negócios, mas a idéia é que eles fiquem alguns dias a mais quando seus congressos acabarem.
Até dezembro, a região abriga o fórum Entry, de design e arquitetura, com 300 estandes instalados em uma antiga usina de lavagem de carvão; a Trienal do Ruhr, festival de música dirigido pelo ex-diretor do Festival de Salzsburgo, na Áustria; tem shows em uma termoelétrica adaptada; e um festival de teatro ocupa siderúrgicas abandonadas.
Há três semanas foi inaugurada em Essen a nova escola de design, projetada pelos arquitetos japoneses do escritório Sanaa. Novos museus e centros de convenções serão abertos até 2009. Essen será uma das capitais culturais da Europa em 2010 - um reconhecimento à nova vocação.
A transformação contrasta com a história do Ruhr, que deve sua (má) fama de antiga região mais poluída e sem charme da Europa às centenas de minas de carvão e siderúrgicas.

Cubatão e Bauhaus
A imagem de Cubatão no Brasil dos anos 80 foi parecida com a que o Ruhr carregou por décadas. Nos anos 70 e 80, várias minas se esgotaram, e as fábricas mudaram para países do Terceiro Mundo. O desemprego chegou a 17% há dez anos, um dos maiores do continente, e os jovens começaram a migrar para outras regiões.
"Até para recuperar a auto-estima da região, a primeira idéia foi justamente restaurar as fábricas abandonadas, que eram a nossa cara, e dar-lhes novas funções", disse à Folha Irmgard Schiller, coordenadora do projeto Bismarck, de recuperação industrial de Gelsenkirchen.
O maior símbolo desse renascimento é Zollverein, em Essen, tida como a fábrica mais bela da Europa e declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Inaugurada em 1932, foi desenhada por dois arquitetos da Escola Bauhaus, pioneira do modernismo.
Zollverein vem ganhando diversas novas funções depois de um plano diretor concebido por Rem Koolhas, vencedor do Pritzker, o Nobel da arquitetura, em 2000. Nos últimos sete anos, os governos alemão e regional e a União Européia investiram 110 milhões para recuperar o complexo.
Ali, foi instalada a maior pista de patinação da Europa, além de piscinas públicas, restaurantes, teatro e centros para exposições. Um museu interativo de ciências foi inaugurado no ano passado para atrair escolas de toda a Alemanha.
Por toda a região, foi criado um cinturão verde, uma sucessão de parques horizontais por 400 km que praticamente ligam todas as cidades.
O principal deles é o Parque Norte, em Duisburg, que aproveitou fornos e as minas abandonadas da antiga siderúrgica da Thyssen.

Jardins entre chaminés
O paisagista Peter Latz criou jardins dentro das antigas fábricas, trepadeiras que percorrem as usinas e árvores competindo com as chaminés. É um parque lúdico, onde as paredes das construções foram transformadas em muros de escalada. O verde invadiu um antigo símbolo de poluição.
Em Essen, armazéns abandonados, muito parecidos aos que povoam a Barra Funda, a Mooca ou o Brás em São Paulo, ou a zona portuária do Rio de Janeiro, foram alugados com subsídios para novas empresas de jovens da região, que se responsabilizam pela manutenção e adaptação dos espaços.
Estúdios fotográficos, empresas de internet, de design e de moda se instalam nos velhos armazéns. "Nossa idéia é manter um ambiente criativo, barato e dinâmico para os jovens empreendedores da região continuarem aqui", diz Dirk Otto, um dos diretores da incubadora de empresas Triple-Z.
É talvez o objetivo mais ambicioso da empreitada no Ruhr. A região de 5,3 milhões de habitantes ainda tem um desemprego de 13%, acima da média alemã. Apenas 6% da força de trabalho local ainda vive de siderúrgicas ou das sobreviventes sete minas de carvão.
Estimativas dizem que, até 2015, a região perderá 300 mil habitantes. Se depender da criatividade investida nas velhas fábricas, esse processo será menos doloroso.


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