São Paulo, quinta-feira, 24 de setembro de 2009

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"Brasil tinha obrigação de dar abrigo", diz assessor do Planalto

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse ontem por telefone, de Nova York, que o Brasil não tinha alternativa que não a de abrigar o presidente deposto Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras: "Política é isso, não é só bônus, é ônus também".

 

FOLHA - Zelaya acertou a ida à embaixada com o governo brasileiro?
GARCIA
- Eu não tinha a mais remota ideia. Se tivesse, eu diria, não haveria o menor problema, mas a verdade é que não tinha. Fui surpreendido no avião, vindo para Nova York.
Um diplomata da assessoria [do Planalto] me telefonou, falando dessa situação complexa.
Do avião, tomamos as primeiras iniciativas. O Lula telefonou para o [chanceler Celso] Amorim em Nova York e para o Samuel [Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty] em Brasília.

FOLHA - Que informações o Brasil tem sobre a volta do Zelaya? Foi [Hugo] Chávez [presidente da Venezuela] quem planejou?
GARCIA
- Não acredito. Escuta, um sujeito que foi presidente da República, que tem o prestígio que ele tem em Honduras... Pela madrugada! Se não tiver esquema, é melhor ficar em casa. Ele certamente tem um esquema suficientemente forte para mobilizar pelo menos metade dos hondurenhos. Que esquema teria o Chávez? Não, não, isso foi obra dos próprios hondurenhos.

FOLHA - Não é difícil de acreditar que o Zelaya fez tudo sozinho, chegou lá, bateu na porta da embaixada e foi entrando?
GARCIA
- Zelaya é muito mais esperto do que alguns querem fazer pensar, com muita independência, com muita personalidade.

FOLHA - Então, o sr. e o governo não sabem como foi tudo?
GARCIA
- Nem eu sei nem ninguém sabe.

FOLHA - O Brasil ficou numa situação difícil?
GARCIA - Estão tentando criar uma cortina de fumaça. O Brasil não se meteu em enrascada nenhuma. Alguém bateu à porta da embaixada brasileira e, evidentemente, o Brasil não podia bater a porta na cara. Estão tentando negar um direito internacional, que é o direito de asilo, além de atribuir um papel ao Brasil que o Brasil não teve. Nem articulou nem estimulou.

FOLHA - É asilo?
GARCIA
- Não houve pedido de asilo. Ele está simplesmente abrigado na embaixada.

FOLHA - É uma situação complicada. O que é possível fazer?
GARCIA
- Situação complicada é a do governo, que deu um golpe de Estado e está num estado de isolamento tremendo na comunidade internacional. Quando Lula falou sobre isso na ONU, a assembleia recebeu com uma ovação.

FOLHA - Ao mesmo tempo, o Brasil fez um apelo para o Zelaya não botar os pés pelas mãos?
GARCIA
- Claro. Se ele está abrigado na embaixada, ele tem de se comportar segundo determinadas normas. Isso é óbvio.

FOLHA - Há risco de invasão?
GARCIA
- Pela forma destemperada pela qual o governo ditatorial está se comportando, tudo é possível. De qualquer maneira, temos de tomar precauções.

FOLHA - Quais?
GARCIA
- A primeira é mobilizar a comunidade internacional para garantir a inviolabilidade da embaixada. Além de condenar totalmente o governo de fato e respaldar o de direito.

FOLHA - O Brasil está com uma batata quente. Como sair disso?
GARCIA
- Política é isso. Não só bônus, ônus também.


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