São Paulo, quinta-feira, 24 de setembro de 2009

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Honduras reforça seu cerco militar à Embaixada do Brasil

Jornalistas são impedidos de passar; ao mostrar passaporte, brasileiro, repórter da Folha ouve: "Vocês são culpados disso"

Governo golpista nega relato de que tenha havido uma morte em conflitos após volta de Zelaya, mas confirma que 23 se feriram

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A TEGUCIGALPA

Num dia em que os hondurenhos aproveitaram uma breve suspensão do toque de recolher para esvaziar prateleiras de supermercados, a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, que há três dias abriga o presidente deposto, Manuel Zelaya, e dezenas de apoiadores, teve a segurança reforçada pelos militares, fiéis ao governo interino.
A reportagem da Folha esteve na região da embaixada brasileira ontem à tarde, mas foi impedida, como os demais jornalistas, de se aproximar do prédio. "Vocês são os culpados disso", disse um oficial militar, quando lhe foi mostrado o passaporte brasileiro.
Pouco depois, passou uma camionete negra carregada de alimentos comprados pela família de Zelaya. Havia caixas de água, de Coca-Cola e de cereais, dezenas de sanduíches prontos e até um liquidificador novo.
Todas as caixas foram cuidadosamente revisadas. O momento mais tenso ocorreu quando um militar encontrou, em meio à comida, dois protetores de ouvido parecidos aos usados em aeroportos -nas duas primeiras noites, forças de segurança colocaram música alta diante da embaixada.
"Isso não está proibido, mas o problema é como estava [escondido]", disse o militar, diante de várias câmeras de TV. "Isso é responsabilidade da filha do Zelaya, não sabíamos que estava aí", reagiu um militante do Codeh (Comitê para a Defesa dos Direitos Humanos em Honduras), ONG pró-Zelaya.
Segundo o presidente do Codeh, Andrés Pavón, que esteve ontem com Zelaya, havia pouco mais de 120 pessoas na embaixada, instalada numa casa residencial de dois pisos na Colônia Palmira, a duas quadras da representação americana.
De acordo com Pavón, as pessoas sofrem com a falta de espaço -muitas dormem apenas sobre papelão- e o serviço de telefone cortado -o de água e o de luz foram restabelecidos. "Mas as pessoas estão dispostas a enfrentar qualquer coisa que possa acontecer", afirmou.
Uma marcha com alguns milhares de manifestantes pró-Zelaya inicialmente dirigida à embaixada brasileira foi desviada até a região do Parque Central. No final, policiais usaram gás lacrimogêneo e deram tiros para o alto contra um pequeno grupo de militantes. Não houve feridos graves.
Como precaução, a quadra onde está a embaixada foi fechada com uma grade móvel. A segurança foi reforçada por dezenas de militares -a maioria se dispersou no fim do dia.
A agência de notícias Reuters noticiou que um manifestante pró-Zelaya de 64 anos havia sido morto anteontem à noite durante confrontos com a polícia. O governo golpista, de Roberto Micheletti, negou e informou que foram registrados 23 feridos até ontem à tarde.
A suspensão entre as 10h e as 17h do toque de recolher em vigor desde segunda gerou intensa corrida aos supermercados e postos de gasolina. A compra desenfreada fez vários produtos sumirem no final do dia.
"Não tem mais frango, carnes, leite, ovos, manteiga. Só há o que você está vendo", disse Angela Carrasco, funcionária do supermercado Paiz.
"Nunca tinha visto algo assim", afirmou a técnica em computação Mireya Juwaie, após duas horas dentro do supermercado. "Mas o toque de recolher é necessário. A situação está bastante caótica, e temos de evitar uma guerra."
Na fronteira entre El Salvador e Honduras, por onde a reportagem da Folha cruzou para chegar a Tegucigalpa (os aeroportos permaneceram fechados pelo segundo dia consecutivo), centenas de caminhões que estavam parados em filas quilométricas desde segunda puderam retomar suas viagens.
Ontem, o governo interino voltou a acusar Zelaya de provocar distúrbios para impedir a realização da eleição presidencial, no final de novembro. O deposto insiste em que não deixará a embaixada e disse querer reunir-se com Micheletti.
O secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Miguel Insulza, anunciou ontem que liderará uma nova missão diplomática ao país entre sexta e sábado.
O chanceler da Espanha, Miguel Angél Moratinos, que participou de reunião com Insulza e representantes de outros países -incluindo o Brasil-, disse que foi acordado, a pedido de Zelaya, o retorno dos embaixadores que haviam deixado Honduras após o golpe.


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