São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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O IMPÉRIO VOTA - RETA FINAL

Caso a tendência se confirme, será a primeira vez na história das disputas presidenciais que os republicanos ficam atrás na arrecadação

Campanha democrata pode ser a mais rica

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora não existam ainda números definitivos, tudo indica que, pela primeira vez em eleições presidenciais americanas, um candidato democrata gastará mais dinheiro que seu adversário republicano. Foi o que disse à Folha o especialista Charles Lewis, fundador e diretor da ONG Center for Public Integrity e autor de "The Buying of the President, 2004" (a compra do presidente).
Segundo Lewis, George W. Bush e John Kerry já arrecadaram cada um US$ 230 milhões. Mas Kerry leva vantagem nos chamados "grupos 527", ONGs que, pela primeira vez, participaram maciçamente de operações de inscrição e mobilização de eleitores e do financiamento de propaganda.
Eis os principais trechos de sua entrevista.
 

Folha - A lei de 2002 previa que as campanhas se financiariam por pequenas contribuições de milhões de eleitores. O que deu errado?
Charles Lewis -
A proposta era bem-intencionada. Quis neutralizar o peso das doações de empresas e sindicatos aos caixas dos partidos. Mas os grupos poderosos encontraram outros circuitos para se manter influentes.

Folha - Não seria ingênuo tentar barrar esses "grupos poderosos"?
Lewis -
A história das reformas de legislações nos Estados Unidos é marcada pela manutenção dos mecanismos que permitem a esses grupos manterem sua influência. E há igualmente legisladores que procuram nos proteger contra a voracidade desses grupos.

Folha - Por que então tentar fazer algo se, em termos práticos, os esforços são inúteis?
Lewis -
Não se trata de ser contra a lei da gravidade. Em verdade, se os grupos mais fracos não fazem alguma coisa, eles nem remotamente terão a esperança de influenciar os centros de decisão. O antagonismo entre os poderosos e aqueles que acreditam que a sociedade deva ser eqüitativamente representada no governo é algo tão antigo quanto a democracia.

Folha - A atual campanha será a mais cara da história americana?
Lewis -
Faz muito tempo que, a cada eleição presidencial, constata-se que um recorde de gastos foi quebrado. Bush e Kerry por enquanto arrecadaram, cada um, no mínimo US$ 230 milhões.

Folha - Qual é a parcela dos eleitores que contribui para uma campanha como a atual?
Lewis -
Sabemos que 96% dos americanos jamais contribuem para qualquer campanha no plano nacional. Os que dão US$ 1.000 representam 0,1% dos eleitores. Os americanos não gostam de financiar candidatos. Ao se omitirem, acabam delegando poder aos interesses poderosos. Nas presidenciais de 2000, deixaram de votar 100 milhões de americanos em condições de fazê-lo. Nas eleições locais deixam de votar 75% dos eleitores inscritos ou potenciais. Ou seja, a democracia americana tem sérios problemas.

Folha - Os interesses poderosos são mais pró-democrata ou mais pró-republicano?
Lewis -
Eles estão dos dois lados. E muitas vezes dos dois lados ao mesmo tempo. Nenhum candidato arrecada US$ 230 milhões com rifas ou churrascos no quintal de suas casas.

Folha - O "Washington Post" disse que o financiamento da atual campanha foi feito por um punhado de milionários. Confere?
Lewis -
É a verdade absoluta. O próprio fato de fazer política se tornou por aqui uma atividade de cidadãos com fortunas pessoais. O Senado americano tem cem cadeiras. Dentro dele, há 40 milionários. Mas, em termos demográficos, os milionários são menos de 1% dos americanos.

Folha - Qual foi o papel dos chamados grupos 527?
Lewis -
Esses grupos obtiveram doações individuais de mais de US$ 1 milhão. Alguns doadores o fazem em nome de seus interesses econômicos. Outros, como o megainvestidor George Soros, o fazem por razões ideológicas, para impedir a reeleição de Bush. Um cidadão que preenche um cheque de alguns milhões se torna mais "fundamental" para certa campanha. Isso desequilibra o princípio da igualdade entre os cidadãos.

Folha - Qual das duas campanhas será a mais cara?
Lewis -
Há alguns dias pela frente. Mas, pelo que sabemos por enquanto, Kerry deverá arrecadar mais que Bush. Terá sido a primeira vez que um democrata terá mais dinheiro que um republicano. Kerry arrecadou quatro vezes mais que Bill Clinton em sua primeira eleição. Os grupos 527 arrecadaram quase US$ 400 milhões. Entre eles, os grupos pró-democratas são mais numerosos.

Folha - Muito foi gasto em propaganda de TV. Não se cogitou propaganda eleitoral gratuita?
Lewis -
Os ex-presidentes Jimmy Carter e Gerald Ford disseram-me que a mídia eletrônica tem lucros incríveis, em razão dos anúncios pagos. O primeiro esboço da legislação de 2002 previa o horário eleitoral gratuito. Mas o dispositivo foi suprimido em razão do lobby das emissoras de TV. Assim, os EUA são a única democracia avançada do mundo em que não há horário eleitoral gratuito.


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