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ELEIÇÕES NA ARGENTINA / MEMÓRIA DAS CRISES
De la Rúa vira réu por mortes em protesto
Ex-presidente argentino é acusado de não conter repressão policial em 2001
Desprestígio é sina de
ex-mandatários à qual Kirchner pode escapar se sua mulher for eleita presidente no domingo
RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES
O ex-presidente argentino
Fernando de la Rúa, que governou o país de 1999 a 2001, tornou-se réu em uma causa que
investiga cinco homicídios culposos e mais de cem lesões corporais nas cercanias da Praça
de Maio, Buenos Aires, em 20
de dezembro de 2001, justamente o dia em que renunciou.
O juiz federal Claudio Bonadío considerou que o ex-presidente "não usou as ferramentas" que tinha à sua disposição para evitar a repressão policial
aos protestos contra o governo
naquele dia. Tal repressão acabou provocando as mortes.
Além de se tornar réu, De la
Rúa teve seus bens embargados
em 20 milhões de pesos (US$
6,3 milhões), para pagar eventuais indenizações aos familiares das vítimas.
De la Rúa não é o único ex-presidente a ser processado. O
seu antecessor, Carlos Menem
(1989-99), chegou a estar até
em prisão domiciliar por suposto contrabando de armas,
caso ainda não encerrado. Ele é
réu em outros casos de corrupção e também tem parte dos
bens embargada.
Os percalços enfrentados pelos ex-mandatários argentinos,
porém, não são apenas judiciais. Fora da Casa Rosada, eles
não mantêm resquícios do poder que um dia exerceram.
Menem, após ver frustrada
sua tentativa de regressar à
Presidência em 2003, conseguiu eleger-se senador. Neste
ano, havia se lançado de novo à
Presidência. Mudou seus planos ao fracassar nas urnas em
sua própria Província (La Rioja): ficou em terceiro na disputa
para o governo, atrás de dois
candidatos kirchneristas.
Raúl Alfonsín (1983-89), primeiro presidente pós-redemocratização, mantém poder dentro das estruturas da UCR (União Cívica Radical), mas seu
partido perdeu a importância
que um dia teve na política argentina; em 2003, seu candidato não chegou a 3% dos votos
para a Presidência. Agora, pela
primeira vez, o partido não terá
candidato próprio à Casa Rosada. Alfonsín também não conseguiu ter herdeiros políticos:
seu filho Ricardo não deve chegar a 5% dos votos na disputa
pelo governo de Buenos Aires.
Eduardo Duhalde (2002-03)
não chegou à Presidência pelas
urnas, mas foi o único a eleger
seu sucessor, Néstor Kirchner.
Viu, porém, seu poder político
minguar rapidamente depois
que deixou o governo, em 2003,
por obra do próprio Kirchner.
O atual presidente, em nome
do controle do Partido Justicialista, atraiu para sua força política a maioria dos peronistas
aliados de Duhalde.
Recentemente, o ex-presidente anunciou que pretende
voltar à política partidária depois das eleições deste ano.
Uma pesquisa feita pelo Ibarômetro, porém, apontou que
60% dos eleitores são contrários a esse regresso.
Um dos principais artífices
do ocaso dos ex-presidentes é o
atual mandatário. Kirchner
não poupa oportunidades de
criticar seus antecessores em
discursos. Quando Duhalde
anunciou seu retorno, afirmou:
"Eu não sou como alguns, que
vão e voltam, não se decidem".
Em referência a De la Rúa, costuma repetir que sairá da Casa
Rosada "pela porta da frente, e
não de helicóptero". E Menem
é seu alvo principal: Kirchner
demoniza as privatizações, o
neoliberalismo e a paridade
cambial dos anos 90, que desembocaram na moratória da
dívida, em 2001.
Fora do poder, Kirchner pode ter o mesmo destino de seus
antecessores. Um dos motivos
pelos quais optou por não concorrer à reeleição seria evitar
que sua imagem, positiva, se
deteriore. "Kirchner é como essas pessoas que vão ao cassino,
ganham com a primeira ficha e
voltam para casa", diz o analista
político Joaquín Morales Solá.
Após deixar a Casa Rosada,
no próximo dia 10 de dezembro, Kirchner terá ao menos
uma grande vantagem: a julgar
pelas pesquisas, que apontam
vitória de sua mulher, Cristina,
nas eleições presidenciais de
domingo, ele não precisa temer
críticas de sua sucessora.
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