São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2007

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Argentinos compram dólares e protestam contra inflação

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL À ARGENTINA

A cinco dias das eleições, a Argentina voltou a viver uma jornada de tensão econômica, com forte procura por dólares nos bancos, intervenções do Banco Central no mercado de câmbio e protestos de rua contra a manipulação de índices oficiais de inflação utilizados para corrigir salários.
O BC argentino entrou pesado no mercado vendendo dólares nos dois últimos dias para manter as cotações da moeda em torno de 3,15 pesos. Mas o dólar chegou a subir a 3,20 em Buenos Aires e a 3,23 no interior como reflexo do descontrole da inflação.
A ação do BC visa passar uma sensação de normalidade até a eleição, quando o presidente Néstor Kirchner espera eleger sua mulher, Cristina, para a Presidência da Argentina.
De julho para cá, houve um estancamento dos depósitos de empresas em pesos nos bancos. Depois de aumentarem em mais de 25 bilhões de pesos em um ano (entre julho de 2006 e julho de 2007), esses depósitos privados de empresas somaram menos de 800 milhões de pesos em três meses.
"As empresas estão preferindo adquirir dólares ou antecipar a compra de matérias-primas. Elas esperam que tanto os produtos quanto o dólar fiquem mais caros depois das eleições", disse à Folha Fausto Spotorno, economista-chefe da consultoria Orlando J. Ferreres & Associados.
A indústria argentina também já apresenta números que mostram ter chegado ao limite de sua capacidade de produção, o que continuará colocando mais lenha na fogueira da inflação. Em setembro, as fábricas no país cresceram 8,8% sobre o mesmo mês do ano passado e alcançaram 78,7% de utilização de sua capacidade instalada, recorde desde 1984, quando chegou a 80%, segundo Spotorno.
Para o economista Federico Bragagnolo, da Econviews, empresas e pessoas físicas também estão procurando dólares porque sabem que Kirchner deve desvalorizar o peso após as eleições. "O governo vai abrir a porta para um pouco mais de inflação, via câmbio, como forma de cortar os salários e as despesas gerais do setor público." Bragagnolo afirma, porém, que não se trata de uma "corrida clássica ao dólar com as mesmas dimensões que a Argentina viveu no passado".
Já os consumidores estariam seguindo o mesmo raciocínio das fábricas e antecipando a compra de produtos que, esperam, ficarão mais caros passada a eleição. Essa procura maior que alimenta a inflação.
Ontem, o Indec (o IBGE argentino) divulgou que a inflação nacional de setembro foi de 0,8%. Enquanto o índice era apresentado, do lado de fora manifestantes e funcionários do próprio Indec acusavam o órgão de "fraude". O representante da Associação de Trabalhadores do Estado (ATE) no Indec, Daniel Fazio, disse que "mais uma vez" o órgão segue com a "reputação arrasada" e apresenta "índices falsos".
O Indec diz que a inflação oficial argentina está em cerca de 8% ao ano. Mas dados de várias Províncias (Estados) mostram preços subindo acima de 22%. Como 40% da dívida pública argentina e os salários são corrigidos pela inflação oficial, o governo Kirchner vem dando um "calote branco" nesses rendimentos. Ao mesmo tempo, o presidente ampliou programas sociais que favorecem a sua mulher-candidata.


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