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Ortega superestima seu poder, diz ex-vice
Sérgio Ramírez, que integrou 1º governo de sandinista, diz que aposta em reeleição enfrentará obstáculos
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente Daniel Ortega,
da Frente Sandinista (FSLN,
esquerda), comemorou nesta
semana a controversa decisão
da Corte Suprema de Justiça da
Nicarágua que abriu caminho
para que ele se candidate à reeleição em 2011.
Mas o escritor nicaraguense
Sergio Ramírez -que integrou
a junta que governou a Nicarágua após a vitória sandinista
em 1979 e foi vice-presidente
no primeiro governo Ortega
(1985-1990)- ataca a decisão e
projeta um futuro turbulento
para seu ex-aliado. "Sob esse
argumento, de igualdade de todos perante a lei, pode-se desmontar toda a Carta", diz.
Dissidente do sandinismo
desde os anos 90, ele diz que o
presidente terá dificuldades
para conter os ânimos políticos
e sociais. Enumera as razões: a
tentativa de união inédita entre
direita e dissidentes sandinistas contra Ortega, a rejeição da
elite econômica à medida e a
precária situação econômica.
Ontem, Ortega recebeu a primeira notícia ruim: segundo
pesquisa nos principais centros
urbanos, 71,3% pensam que ele
não deve tentar se reeleger.
Enquanto a oposição promete bloquear iniciativas do governo no Parlamento, o governo corre para aprovar o Orçamento de 2010, que inclui medidas impopulares que visam
convencer o FMI (Fundo Monetário Internacional) a liberar
US$ 90 milhões para o país.
Da Universidade Harvard,
nos EUA, onde está ministrando desde setembro o seminário
"História pública e privada na
novela latino-americana", Ramírez falou ontem à Folha.
Leia os principais trechos:
FOLHA - A mobilização da oposição
contra a reeleição pode vingar?
SERGIO RAMÍREZ - Quem vai decidir é a capacidade da oposição
de mobilização popular. Esse é
um assunto que se vai decidir
nas ruas. Para isso funcionar, a
oposição tem de demonstrar
que está unida. Há, pela primeira vez, uma única frente de luta
contra o governo, incluindo [o
ex-presidente Arnoldo] Alemán, MRS [Movimento Renovador Sandinista], o setor privado, a sociedade civil.
FOLHA - Há desconfianças sobre Alemán, que já se aliou a Ortega...
RAMÍREZ - Temos de dar o benefício da dúvida a Alemán. Parece-me que discriminá-lo por
seu passado, tirá-lo de uma
aliança contra um golpe contra
a Constituição não é correto.
Ele tem de provar que está sinceramente ao lado da frente.
FOLHA - Por que Ortega resolveu
defender a mudança agora, a dois
anos da eleição? Qual o cálculo?
RAMÍREZ - Ortega pensa que até
2011, com a cabeça fria, a oposição vai pensar que, se ficar fora
das eleições, ficará fora do jogo.
Pensa que vai conseguir controlar politicamente o jogo, os
ânimos. É um processo que está amarrado porque o Conselho
Supremo Eleitoral, como a
Corte Suprema, dependem de
Ortega. Se contarem os votos
como nas eleições municipais
de 2008, quando houve fraude
evidente, é o sistema democrático que estará em escombros.
O movimento é uma escalada
que pretende fazer com que as
pessoas não queiram ir votar.
Se só os militantes da Frente
Sandinista votarem, Ortega ganhará, e o resto perderá a fé no
sistema. Esse me parece que é
um dos cálculos. Mas para isso
ele precisava ter controle absoluto da situação econômica e
social, e não acho que tenha.
FOLHA - Por que não tem?
RAMÍREZ - A situação econômica é muito ruim. As leis econômicas que o governo quer passar na Assembleia Nacional são
regras ditadas pelo FMI, muito
impopulares. Por conta do deficit fiscal, querem taxar as remessas enviadas pelos imigrantes, a segunda fonte de divisa.
Segundo a última pesquisa,
só 23% da população apoia a
medida e o governo. É um apoio
muito precário para tentar uma
operação dessa magnitude.
Tanto o Conselho Superior
das Empresas Privadas como a
Câmara Americana de Comércio, as mais importantes do setor, estão contra a reeleição. É
algo novo. Eles têm tido tolerância com Ortega na medida
em que pensavam que ele seria
substituído. Quando veem que
está ficando para sempre, a situação muda de figura.
FOLHA - E qual é o papel de Hugo
Chávez nessa dinâmica?
RAMÍREZ - É muito importante.
Chávez é quem sustenta Ortega, paga a conta petroleira diretamente a ele. Esse dinheiro
não vai para os fundos públicos.
FOLHA - Para onde caminha a crise
de Honduras?
RAMÍREZ - Houve mau cálculo
político tanto de [Manuel] Zelaya como dos golpistas, e é por
isso que situação está travada, e
não vejo como pode ser resolvida. O fato de um golpe como esse ficar impune é muito perigoso para a América Latina.
FOLHA - A crise de Honduras reverbera na região, na Guatemala?
RAMÍREZ - A situação da Guatemala é muito perigosa, e a de El
Salvador pode chegar a ser. Nos
dois países houve guerras civis
nos anos 80. Os Exércitos que
combateram contra as guerrilhas estão lá. O que há é uma tolerância forçada. A tensão está
lá. Na Guatemala, o Exército
segue dominando a vida política. O presidente tem poderes
muito limitados. Tudo isso está
misturado: a mão secreta do
Exército, as gangues e "maras"
ligados ao narcotráfico. Tudo
isso é fator desestabilizador ante um poder civil débil.
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